A imprensa está cheia de críticos que reclamam que qualquer um virou analista político sobre terrorismo. Correto. Só que os críticos, em sua grande maioria, também replicam este modelo (pode-se até pensar que são todos não-especialistas concorrendo por fama e dinheiro).
Um tema central, por exemplo, que gera polêmicas e polêmicas é a relação entre religião e terrorismo. Bem, eu não sou especialista, mas não vi ninguém por aí procurar artigos especializados para fundamentar suas opiniões. Assim, o que faço a seguir é apenas comentar as conclusões de um artigo que, se pode lhe parecer chato ou enfadonho, é porque não sou um cara treinado em traduzir textos científicos para o público.
Mesmo assim, achei que deveria tentar porque não aguento mais ler tantos textos na internet – sem qualquer menção a trabalhos científicos (eventualmente, menciona-se um ou outro livro que não tem nada de científico, mas muito de achismo) de gente que se vende como “especialista”. Encare isto como meus dois centavos sobre o assunto.
Como todo artigo científico, este também tem suas limitações. Vou apenas resumir e comentar o grosso das conclusões e o leitor pode tentar sua sorte lendo o artigo (o periódico científico é aberto, você só precisa ler inglês, nem precisa ter viajado pelo Ciência Sem Fronteiras ou sido monitor de Econometria para ler e entender o artigo…mas precisa saber o “básico do básico” de estatística…).
Vamos lá. Primeiramente, há algo de especial no islamismo que gere terrorismo?
(…), empirical work evaluating religious fundamentalism is clear in its implications that fundamentalist beliefs are related to racial prejudice (…), hostility toward value violating out-groups (…), support for violence against out-groups (…), and anti-Western sentiment (…). The data in this article suggest that followers of Islam do, on average, hold more fundamentalist beliefs than do believers from other religious groups. This increased fundamentalism may create more susceptibility to the calls for action from extremist Islamist clerics (…), helping to explain why religious terrorism is predominantly Islamist. This finding also implies that fundamentalist beliefs may be targeted by the religious elite to reduce susceptibility to calls to Jihad (…).
Ou seja, o fundamentalismo pode ser usado por pessoas extremistas para fins terroristas. Note os itálicos. O autor se pergunta: o envolvimento religioso tem algum efeito sobre ações violentas? A literatura, diz ele, é ambígua. O que ele encontrou?
(…) this article concentrated on the possibility of the enhanced coalitional commitment argument for a relationship between religious involvement (specifically religious service attendance) and parochial altruism (…). The data is inconsistent on whether Muslims engage in more frequent religious service attendance or are generally more involved with their religion than members of other religious groups.
Ou seja, não há nada muito conclusivo. O que ele tem de evidência, mas não muito robusta é que:
(…) the data presented on inter-group differences in religious commitment only weakly support the notion that Muslims are more committed to their religious beliefs than members of other religious groups. The limitations of the dataset prevent a stronger conclusion but do provide important preliminary support. Other data also suggest that religious commitment might be related to increased support for Sharia law in Muslims
Uma questão que lembra um pouco a discussão sobre “igrejas evangélicas mais diversificadas vs igrejas católicas mais homogêneas” é a que ele levanta sobre o Islã.
The final psychosocial religious factor explored was the relatively homogenized structure of Islam. While large-scale survey data does support the notion that Islam is more homogenized than other religious groups (i.e., membership in one predominant (Sunni) form of Islam; overwhelming acceptance of core beliefs), the direct effect of this homogenization is not clear. (…) homogenization of Islam may act to increase extremist beliefs and maintain high levels of fundamentalism in the Islamic community.
Este é um ponto que me faz pensar (irresponsavelmente, apenas, ok?): aparentemente, uma religião mais homogênea, em termos de imposição de valores básicos, seria mais favorável ao extremismo? A ser verdade aquela história que nos contaram na escola, sobre os protestantes terem ganho maior diversidade após a separação da igreja católica, o desejável – em termos de diminuição da violência – seria que estimulássemos maior diversidade religiosa?
Então, como vemos, as coisas são um pouco mais complicadas do que simplesmente dizer que “Islã = ódio” ou que “Islã = amor”, não é? Ao invés de brigar com as pessoas nas redes sociais, que tal você pesquisar um pouco, procurar dados (o governo brasileiro acabou de prender alguns elementos radicais, se tiver sido esperto, coletou dados) e trabalhar um pouco? Ah, e pergunte-se: o que a literatura especializada define como “extremismo”, “radicalismo” ou “terrorismo”?
Aí sim, a gente passa do achismo pop (aquele que ganha likes e seguidores nas redes sociais) para o menos conhecido, mas mais interessante caminho da pesquisa (que, neste caso, mais do que nunca, pode ajudar a salvar vidas).
[UPDATE]p.s. por que isto me interessa? Bem, porque acho desafiador entender as limitações (e quais seriam as necessárias extensões) de modelos econômicos na explicação do comportamento terrorista. Veja, por exemplo, esta resenha.