Engraçado como são as coisas, leitor. Você chegou aqui, nesta página, intencionalmente ou não. Se irá prosseguir com a leitura ou não depende tão apenas de você. Duvido que alguém o esteja obrigando a ler este texto mas, se houver, é porque provavelmente a leitura faz parte de alguma tarefa escolar que vale pontos que você, novamente, escolheu não deixar passar porque, há algum tempo, escolheu fazer um curso superior. Claro, você pode ter escolhido o curso superior por gosto ou porque seu pai o obrigou. Exceto por uma incrível coincidência de gostos, você estará insatisfeito no segundo caso.
Agora, imagine seu amigo internauta que mora em Cuba. Provavelmente ele faz várias escolhas no seu dia-a-dia. A diferença (por enquanto) é que, lá, o conjunto de escolhas possíveis que ele pode fazer é mais limitado. Limitado não apenas pelo grau de desenvolvimento tecnológico do pais, pelo progresso, pelas condições naturais da região em que vive ou pela sua educação, mas também por um governo que lhe tolhe estas escolhas. Você poderia imaginar um outro amigo sueco, um espanhol, um chinês e um boliviano. A essência do fenômeno não mudaria, como você já deve ter percebido.
As escolhas individuais são, essencialmente, suas. Se você se acha inteligente porque escolheu se formar em Engenharia ou em Direito, é um problema seu: o mendigo da rua também faz escolhas individuais de forma tão inteligente quanto você. É verdade que ele tem menos opções de escolha, mas, por isso mesmo, pela escassez de opções, é provável que seja até mais rápido do que você ao optar entre vender balas no sinal e dormir no passeio. Ironicamente, é provável que muitos sejam mais eficientes do que você em suas escolhas.
Agora, não lhe parece que estou falando obviedades? Alguém poderia escolher debater um ou outro aspecto do que foi dito até agora, mas não haveria discordância sobre o papel das escolhas (veja, alguém escolhe debater). A verdade é que todos os exemplos acima ilustram a lógica da ação individual, do ponto de vista do que se ensina na Ciência Econômica. Por motivos os mais diversos, incluindo uma dose de parcialidade e desonestidade intelectual, alguns chamam esta lógica de “lógica de mercado”. Ou seja, se eu escolho comprar um exemplar de “O Capital”, eu sigo a lógica de mercado.
A história do termo “lógica do mercado”, aposto, é similar à do “capitalismo”. Este último, como nos ensina a história, foi um termo criado pelos que propagandeavam uma supostamente ótima alternativa, o socialismo. Ninguém, até então, chamava a lógica da ação individual de “lógica do mercado”. Mesmo porque, “mercado” é algo que pode ser definido das mais diversas formas, incluindo o ato de consumir afeto materno, carinho paterno, ou assistir a uma peça de teatro.
Devido a uma característica muito comum aos seres humanos: a vaidade, é difícil ver algum adepto do termo “lógica do mercado” aceitar, sem dificuldades puramente idiossincráticas, o fato de que esta é a lógica de suas próprias ações. Isso, claro, implicaria em entender o mercado, algo que muita gente pretende saber e/ou não deseja estudar, por temor de, provavelmente, acabar curtindo (para usar um termo da era Facebook). Alguns poderiam dizer que a vaidade é a causa do wishful thinking que caracteriza a maior parte das discussões humanas (até mesmo a científica, em algumas tristes ocasiões).
Para combater a compreensão da lógica da ação das pessoas (ou individual, ou ainda “da ação humana”, na concepção de Mises), alguns debatedores se valem dos mais variados artifícios retóricos. Em outras palavras, alguns debatedores escolhem até mesmo a desonestidade intelectual para vencer o debate. Se assim o fazem porque acreditam em algum objetivo universal ou apenas por vaidade (ou alguma insegurança, etc), não importa muito pois, no final, trata-se de uma escolha.
Poderíamos dizer que esta escolha pela desonestidade deveria ser coibida pelo governo. Alguns adorariam corrigir a humanidade desta forma. O problema é que o governo também é feito de seres humanos (até prova em contrário) e que, portanto, também escolhem. Por que alguém acreditaria que escolhem o melhor para você e não para si próprio? Digamos que haja uma bondosa alma como esta. Ainda assim, quem (ou o que) garantiria que a sua escolha é a melhor para todos?
Alguns dirão: “- Mas tem a ciência! A ciência prova que o cigarro mata”. É verdade que o cigarro não é lá aquela maravilha para os pulmões de alguém. Mas a ciência não prova nada. Como disse Alberto Oliva em seu belo A Solidão da Cidadania, cuja referência bibliográfica completa agora me escapa, certezas, só na religião e, ao contrário do que muita gente pensa, às vezes é preciso ter algumas certezas na vida. Até ateus procuram certezas (como: Deus certamente não existe).
Além disso, vale lembrar, cientistas escolhem e, assim, como disse Ronald Coase (em Essays on Economics and Economists. The University of Chicago Press, 1994), não é a “ciência” que avança, mas os cientistas e seus interesses. Certos cientistas escolhem a fama, outros escolhem a pesquisa e, claro, outros escolhem avançar suas agendas baseadas em seus financiadores. Se o financiador é o governo ou uma produtora de fumo, como já vimos, não faz muita diferença pois não há garantias de que o governo saiba o que é melhor para você.
Portanto, a lógica das pessoas, como a chamei, trouxe-nos até a questão final deste texto: como é que a vida em sociedade pode ser a melhor possível diante desta inexorável lógica? Alguns diriam: mais governo! Mais legislação! Depois de termos compreendido o fato óbvio de que o governo é uma miríade de interesses, este argumento perde força. Outros gostariam de dizer que o melhor é não ter governo algum. Na verdade, sempre haverá algum tipo de governo, mesmo em uma sociedade sem um governo formal, como nos ensinam diversos autores (por exemplo: Terry L. Anderson e Peter J. Hill com seu instrutivo The not so wild, wild west – property rights on the frontier).
Certamente eu poderia escolher dizer para o leitor que há uma escolha melhor – provavelmente aquela baseada em meus desejos mais sádicos e insanos – mas o fato é que eu escolho a honestidade intelectual e enuncio aqui que: “eu não sei qual é a melhor solução”. Entretanto, de uma coisa eu sei: não é tolhendo a sua, a minha liberdade(s) que chegaremos à melhor forma de governo.
O leitor deve estar cansado de tanta repetição, mas este texto tem um objetivo bem didático mesmo. Deve ter ficado claro que a “lógica de mercado” deveria ser chamada e/ou compreendida como a “lógica de suas ações” e que, portanto, tentar entende-la pode alterar sua percepção de mundo. Isto gerará um conflito em sua mente e você, em última instância, terá de escolher entre o discurso fácil e reconfortante – mas que nega a lógica de suas ações pois alguém saberia o que é melhor para você – e a escolha da humildade, que implica que vamos, sim, respeitar a divisão de trabalho na sociedade, de que, de fato, alguns sabem mais de algumas coisas do que outros, mas também que tal divisão não será a melhor se tiver sido construída artificialmente sob a vontade de alguém, supostamente onisciente e que…sabe melhor escolher para você do que você mesmo.
Caso você acredite nesta última opção, peço que tente, de todas as formas, impedir a leitura deste texto.