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Tavares Bastos e o capital humano

Abolicionista que era, mas também ciente das restrições que ocorreriam caso a abolição viesse de uma só vez, Tavares Bastos tinha uma proposta que avançaria marginalmente (o que teria evitado a crise financeira da abolição estudada por John Shultz?).

Interessante mesmo é ver que Tavares Bastos entendia bem a importância do capital humano. Por exemplo:

Entre as providências sugereidas, ressalta pela importância, esta – criando para cada senhor de cinqüenta escravos a obrigação de manter uma escola, destinada à educação de suas ‘crias’ e dos meninos das vizinhanças, sob multa de liberdade de dois escravos adultos, em quanto aproximadamente estimava a importância das despesas anuais pelo serviço escolar previsto.
Sem quaisquer preconceitos de raça, e levado por observações a respeito da capacidade e aptidões do negro, capacidade e aptidões já comprovadas em círculos dos Estados Unidos, Tavares Bastos propunha a educação na Europa, por conta do Estado, de certo número de negros libertos, em determinadas indústrias, artes e ofícios. [Pontes, C. “Tavares Bastos (Aureliano Cândido, 1839-1875). Coleção Brasiliana, v.136, Companhia Editora Nacional, 1979, 2a ed (original de 1938), p.154]

A primeira medida é uma tentativa de criar custos aos escravocratas, ao mesmo tempo em que sinaliza pela necessidade de se qualificar a mão-de-obra ao longo do tempo. Pode-se discutir se a medida seria mais ou menos eficiente, mas a idéia de que Tavares Bastos pensava seriamente no capital humano dos futuros libertos é clara.

Já a segunda, muito interessante, lembra a iniciativa do governo japonês, quando de sua modernização (era Meiji) em enviar alguns japoneses para o exterior para que aprendessem melhor os aspectos da civilização ocidental (os Choshu 5 Satsuma 14).

Tavares Bastos era, de fato, um liberal de idéias interessantes e com boa percepção acerca dos incentivos econômicos.

 

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Liberalismo e Escravidão: Um Exemplo De Um Antigo Movimento pelo Brasil Livre

José Bonifácio radicou o seu discurso nas premissas do direito natural, parecendo às vezes argumentar tendo diante de si o folheto de Domingos Barreto, ou algum símile dele. Por conseguinte, se ‘os negros são homens como nós e não formam uma espécie de brutos animais, se sentem e pensam como nós’, a razão e a humanidade mandavam que se lhes reconhecesse a condição inata de liberdade. Sofismavam os que diziam que favorecer ‘a liberdade dos escravos’ era ‘atacar a propriedade’; a propriedade teria sido ‘sancionada para o bem de todos’, não havendo como supor que os escravos se beneficiassem ao perder ‘todos os seus direitos naturais’, tornando de ‘pessoa a coisa’, na frase do jurisconsulto. A propriedade escrava consistia no ‘direito da força, pois que o homem, não podendo ser coisa, não pode ser objeto de propriedade’; ‘se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens’. [Chalhoub, S. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista, Editora Schwarcz, 2012, p.40-41]

Entre o bolivarianismo e o andradismo, fico com o último.

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Mais governo, menos mercado…menos liberdade: o ‘credit score’ na China

A notícia, em si, é uma demonstração de que, sim, quando o mercado é contaminado por intervenções governamentais a um determinado nível, propostas absurdas surgem. Eis a notícia. Trechos:

This Chinese credit score, which seemed innocent at first, was introduced this summer. More precisely, it was introduced by Alibaba and Tencent, China’s IT giants who run the Chinese equivalents of all social networks, and who therefore have any and all data about you. People can download an app named “Sesame Credit” from the Alibaba network, and the score has become something of a bragging contest, being interpreted as a kind of “citizen status” – and not entirely falsely so. Almost 100,000 people have posted their “status” online on Weibo, the Chinese equivalent of Twitter.

Até aí, ok, não? Mais ou menos, certo? O aplicativo é opcional, mas o governo chinês quer torná-lo, digamos, não-opcional em breve. O que é que há neste aplicativo que incomoda tanto?

Things that will make your score deteriorate include posting political opinions without prior permission, talking about or describing a different history than the official one, or even publishing accurate up-to-date news from the Shanghai stock market collapse (which was and is embarrassing to the Chinese regime).
But the kicker is that if any of your friends do this — publish opinions without prior permission, or report accurate but embarrassing news — your score will also deteriorate. And this will have a direct impact on your quality of life.

Notou? É o sonho bolivariano. Em termos de princípios (i)morais, é a mesma coisa que foi feita quando Chavez violou as votações do referendo e passou a controlar a vida dos opositores (dificultando, por exemplo, seu acesso ao emprego e nem preciso comentar as consequências de uma intervenção assim sobre a vida das famílias, né?) sob a silenciosa cumplicidade da diplomacia continental.

A Economia Política já me parece ter maturidade – após anos e anos de Public Choice – para responder à pergunta sobre qual é o preço que eleitores pagam para se submeterem a este tipo de coisa. Lembro-me de alguns supostos intelectuais (muitos deles, hoje, com cargos em governos e bem calados…) que diziam que “o problema do (neo)liberalismo é que você troca igualdade por liberdade”, o que, todos sabemos, é uma leitura muito rasa, superficial e pouco informada do pensamento liberal: no mínimo, quem diz isto nunca leu o que disse Milton Friedman sobre o imposto de renda negativo, por exemplo.

Mas tudo bem. Quero ver é o cara me explicar como ele mesmo trocar sua privacidade e seu direito de discordar em troca de uma viagem para fora de um país pode ser ‘bom para o social’. Esta é a pergunta que muito intelectual que se diz moderninho e ‘cool’ não quer enfrentar porque sabe que a resposta entrará em choque com suas convicções.

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Liberdade

Ela era demais, não?

Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda (in: Romanceiro da Inconfidência, citado por Rangel, F. & Fernandes, M. (1987) Liberdade, liberdade. L&PM Editores)

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Um dos melhores textos libertários dos últimos anos e, claro, ele não está nos grandes portais libertários

É isso mesmo. E é o melhor texto por dizer o óbvio ululante (bem, deveria sê-lo, para os que, supostamente, não são analfabetos funcionais ou preguiçosos). O trecho que vale ouro é este:

Mas confesso que é um pouco deprimente ver essa bandeira — forjada dentro de um movimento que defendia o uso da razão (iluminismo) — ser carregada como uma arma anti-petista cuja munição não emana da análise da evidência empírica, mas simplesmente da repetição cega de mantras liberais — quase que como uma espécie de culto que replica práticas comuns do movimento simétrico oposto que criticam. Se vai ser anti-esquerda por uma via liberal, que seja com lastro empírico. E os resultados do exercício acima oferecem munição empírica para quem deseja apontar as deficiências dos últimos dez anos de governo.

Disse tudo, não? Para quem já foi vítima de ataques do Hamas libertário do Brasil, é um prazer inenarrável ler este trecho. Sei que não há somente o obscurantismo no meio libertário. Conheço diversos alunos promissores em meio a este ótimo movimento e alguns deles já me confidenciaram o cansaço com a tentativa, de alguns, de evitarem, a todo o custo, o uso de qualquer método empírico em estudos de políticas públicas.

Outros já perceberam que muitos supostos libertários vivem confortavelmente em posições de poder monopolista e, claro, não têm interesse em financiar estudos empíricos sobre concorrência (qualquer leitor de Mises notará que o próprio sabia disto, a despeito dos membros do Hamas libertário do Brasil…).

Ah sim, sobre o método do controle sintético que o Sérgio cita, eu o conheci por conta do prof. Felipe Garcia (PPGOM-UFPel) que fez um ótimo texto com Kang e Stein sobre Cuba (está em algum lugar da internet…).

UPDATE: leia lá o texto original. É uma interessante aplicação de controle sintético ao Brasil. Aí sim, você pode discutir seriamente algumas evidências empíricas…

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Por que mudanças marginais? – a justificativa conservadora

Meu amigo – e ex-patrão – Afonso, presenteou-me, outro dia, com o As idéias conservadoras de João Pereira Coutinho. Como já li de Karl Marx e Adolf Hitler a Thoreau passando por Anuários do IBGE e Zé Carioca sem preconceito algum, não seria com este livro diferente, né? Há quem me chame de conservador, embora eu ainda afirme que sempre achei minha autocrítica bem ruinzinha.

Voltando ao livro, o Coutinho nos lembra de um ponto que já foi muito bem explicado por Hayek em vários de seus textos: a questão da imperfeição humana. Por que devemos ser cautelosos quanto a projetos de mudanças amplas e ambiciosas? Nossa imperfeição.

Somos imperfeitos, intelectualmente imperfeitos, não porque tenhamos nascido livres e nos encontremos aprisionados em toda parte (a célebre proclamação de Jean-Jacques Rousseau que não é mais do que a corruptela bíblica sobre a queda do homem), mas porque a complexidade dos fenômenos sociais não pode ser abarcada, muito menos radicalmente transformada rumo à perfeição, por matéria tão precária. [Coutinho, J.P., As Ideias Conservadoras explicadas a recolucionários e reacionários, Três Estrelas, 2014, p.34]

É incrível como esta idéia simples ainda não tenha gerado maior cautela por parte de mais gente, independentemente de seu posicionamento no espectro ideológico. A arrogância humana e a má fé dos vendedores de sonhos nunca tiveram muito valor (lei da escassez, claro!), mas minha impaciência com a espécie (supostamente humana) sempre me deixa cansado de tanta lentidão para optarmos por soluções mais, digamos, “pé no chão”.

Seja você um liberal (libertário) ou não, este é um ponto que não deveria ser ignorado em suas análises da realidade. Afinal, somos todos imperfeitos e é por isto que você termina este meu texto achando que ele poderia ter sido escrito de forma mais talentosa. Poderia mesmo.

 

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História recente do liberalismo no Brasil

Acho que com a grana que o EPL arrecadou, eles bem que poderiam disponibilizar um vídeo com o som melhor (e um enquadramento melhor também). Imagino que farão isto em breve.

Fomos citados, a despeito do que dizem alguns supostos liberais stalinistas…

O vídeo acima cita este blog como um precursor do liberalismo moderno. Não sei o quanto este blogueiro ajudou a influenciar – para o bem e para o mal – os modernos liberais brasileiros, mas agradeço a menção. Afinal, a concorrência pelos corações liberais tem gerado, nos últimos anos, muito latido e pouco diálogo entre alguns supostos liberais. Pois é. Luciana não comunga do stalinismo desta corja, que adora apagar personagens da história…

Como nos ensinou a Escolha Pública, movimentos políticos não devem ser analisados romanticamente e nem os liberais escapam desta lupa buchaniana (olhem as brigas entre libertários norte-americanos que alguns querem reproduzir no Brasil, por exemplo). Saber fazer a auto-crítica e entender os incentivos políticos que guiam os movimentos liberais brasileiros é importante, embora possa, sim, criar inimizades com alguns. Pensando bem, há amizades que não valem tanto a pena assim.

Alguns personagens citados…e não citados

Mas volto à Luciana. Sua palestra resgata algumas figuras históricas e muito desprezadas por alguns jovens maoístas (que se dizem liberais, mas comportam-se como maoístas). Sabe, respeitar o passado não significa concordar com tudo o que foi feito ou dito, mas apenas ser honesto com a história e, ser honesto, neste caso, é um requisito básico para aprender com os erros (e acertos) passados.

Falo de Donald Stewart, Henry Maksoud e, bem, Luciana não citou alguns outros nomes, mas tem uma grande turma aí que ajudou a preservar uma filosofia em tempos de autoritarismo. Eu creio que Og Leme, Roberto Fendt e Alberto Oliva também merecem menção honrosa e sei que ela não os citou por falta de tempo (como tantos outros que eu me esqueço agora…).

Outro bom momento da palestra é quando Luciana cita Pedro Sette-Câmara e o inesquecível episódio do negro dia da consciência negra, no qual algumas pessoas mostraram que não são democratas, mas intolerantes e não podem ouvir uma opinião contrária que já a acusam de…racismo. Fosse hoje em dia, acho que Pedro, Álvaro, Sergio de Biasi e outros seriam os primeiros a comer as bananas.

E não faltou alguém?

Finalmente, a própria Luciana, modesta, não se citou como importante nesta história toda. Poderíamos falar aqui de seu esforço para reinterpretar insights austríacos em um contexto da burocracia pública – sob os protestos de um orientador que, embora não austríaco, entendia que seria impossível fazê-lo, pelo menos como proposto (se bem me recordo, esta foi a discussão dela com o orientador durante o processo) – que resultou em uma monografia que, na minha opinião, expressava a angústia de quem estava buscando tornar o setor público mais eficiente.

Ou poderíamos falar da Luciana que tentou agir, ajudando na articulação de pessoas que pensavam de forma similar em torno de algum tipo de ação concreta. A Luciana no Liber, a Luciana no EPL, a Luciana em discussões no Orkut, enfim, a Luciana em diversos momentos fazendo sua história (ou a nossa história, se é que me entendem).

Eu sei. Fazer a história é um bem público e, portanto, os incentivos para a ação individual, privada não funcionam se não houver alguma regra, algum mecanismo bem construído. Nem mesmo a ideologia – que é um bom incentivo- funciona a contento em todos os casos, como alguns liberais brasileiros já deveriam ter aprendido (basta ler teoria econômica mainstream ao invés de fazer exegese de autores austríacos….ciência não é religião, ponto).

Ora, neste caso, a Luciana também tem tido um papel bastante importante. Ela está fazendo a história, a despeito dos incentivos desalinhados. É preciso mais Lucianas no universo liberal.

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É preciso ler mais Adam Smith, antes que seja tarde

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Pois é. Mas não basta ler Adam Smith. O Brasil tá cheio de auto-denominados liberais (ou libertários) que dizem que devemos ler este ou aquele autor. Há até exegeses, como se liberalismo fosse uma doutrina religiosa. Há institutos, grupos de estudo, etc.

Fazem mais de 20 anos que ouço falar a mesma coisa e, recentemente, conversando com um verdadeiro liberal, ele me fez a pergunta óbvia: por que não se tem nada produzido? São anos e anos de “vamos ler Mises”, “vamos ler Smith”, e não há uma única série de, digamos, índices de liberdade estaduais. Ou algo assim. Por que isto? Parece que nosso capitalismo de compadrio explica isto. Os grandes empresários só financiam discussões doutrinárias, que não colocam em risco seu poder de monopólio neste ou naquele setor. Nada de fazer um índice de liberdade econômica, meninos, porque isso vai gerar discussões sobre minhas relações com o governo.

Fato óbvio, até antigo, este de que empresários de um capitalismo de compadrio, não iriam mesmo além do discurso fácil. É muito bonito falar que é “anarco-capitalista”. Quero ver é alguém meter o traseiro na cadeira, pegar os livros, os dados, e fazer as pesquisas. Esta história de fugir da estatística tem, como diria a galera da Public Choice, uma explicação simples: interesses poderosos não querem ver medidas de concorrência porque atrapalham sua vida subsidiada e anti-mercado com o governo.

É por isto que não acredito mais em algumas pessoas do ramo: lucram com os estudantes, professores e filósofos liberais sem lhes patrocinar, realmente. Isto não diminui minha crença de que o caminho de Adam Smith é o melhor para o desenvolvimento econômico com prosperidade social. Isto só me mostra que Adam Smith, Hayek e outros tiveram as idéias certas e vislumbraram corretamente seus grandes inimigos.

Com a ajuda dos bolivarianos, claro, esta realidade que nos amarra a um sistema econômico ineficiente, desigual e atrasado defendida por supostos “anarco-liberais” que odeiam concorrência não mudará tão cedo. Claro, mudar dói. Quem é que não queria engatinhar ao invés de andar? Mas a realidade histórica nos mostra que dói menos do que dizem os defensores do obscurantismo e do liberalismo quadrúpede (este, que só é da boca para fora), melhor amigo do nacional-socialismo tupiniquim que adora o discurso militar ao mesmo tempo em que fala de “comissões da verdade”.

Churchill faz-se necessário. Pena que não ressuscitou na Páscoa (e no Brasil)…

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Liberdade de imprensa sem liberdade econômica?

Um dia, um sujeito – bastante desinformado – que se dizia assessor de imprensa de uma empresa veio à Faculdade falar do papel da mídia. Ele começou com uma frase bastante autoritária. Para ele, liberdade de imprensa é apenas a liberdade dos donos de jornais publicarem o que querem. Aí ele dizia que “controle social” (sem entrar em detalhes) seria bom.

A frase tem um erro muito básico que é ignorar o contexto. Sim, em uma ditadura, com apenas um jornal, apenas o dono de jornal diz o que quer mas, não, em uma democracia, com muitos jornais, há competição e você pode falar o que quer, mas também pode ouvir o que não quer.

Claro, como muitos, o sujeito tem aquele preconceito contra o dinheiro. Ele gosta de encher os bolsos vendendo gato por lebre (e gato por gato também, imagino), mas acha horrível alguém ter o poder de publicar o que pensa. Vai ver nem é a favor de blogs ou de biografia não-autorizadas.

Em certo momento da palestra, tive vontade de me levantar e sair da sala. Meu tempo vale mais e se há uma polêmica boa, ok. Mas ali, naquela palestra, não havia nada de interessante.

Bem, muitos estudantes, mais novos, ainda nos bancos escolares ou da faculdade, podem ter dúvidas similares. É para estes que se destina este que, se tudo der certo, será o primeiro de dois posts sobre o tema.

Então, ok liberdade econômica – “livre mercado” – é inimigo da liberdade de expressão? É isso mesmo? Então, na Coréia do Norte, jornalistas devem estar se esbaldando xingando a mãe do presidente, não? Não?? Então, como é que fica o seu argumento?

Um pouquinho de realidade: dados!

Pode até acontecer que a liberdade de imprensa exista, no curto prazo, com a falta de liberdade econômica. Mas, como sabemos, uma correlação não faz verão. É preciso ver se uma variável causa a outra. Sendo assim, que tal este estudo de 2011? Cito trecho da conclusão:

Our study addresses the role of media in economic development. We set up a simultaneous equation system that jointly determines share of domestic investment in GDP (a proxy for economic development or growth) and socio-political stability (an index constructed by applying the principal components analysis to various indicators of socio-political stability). We show that free media has a positive correlation with socio-political stability and greater socio-political stability enhances domestic investment. Thus we claim that free media may promote economic development by improving socio-political stability. Several sensitivity tests reinforce our hypothesis.

Os autores acham que suas conclusões são uma evidência favorável à causalidade seguinte: mais liberdade de imprensa gera mais liberdade econômica de forma indireta, na minha opinião. Por que? Porque há vários estudos mostrando uma forte correlação entre a liberdade econômica e o desenvolvimento econômico.

Que tal observarmos a liberdade econômica e a liberdade de imprensa em um único gráfico? Eu pensei que teria mais tempo para um gráfico mais elaborado (utilizando uma amostra maior no tempo). Talvez mais tarde, hoje, eu divulgue algo assim.

Mas, por enquanto, vejamos os dois índices em 2014, para quase duzentos países.

Antes, uma observação sobre a escala de cada índice. O de liberdade de imprensa deve ser lido em escala invertida. Isto é, países com maior liberdade de imprensa têm valores menores no índice. Já o índice de liberdade econômica da Cato Foundation/Heritage Foudnation é lido de forma direta: países mais economicamente livres têm valores maiores no índice.

O índice de liberdade econômica tem vários sub-componentes. Um deles é o gasto do governo em percentual do PIB. Sei que não é a única medida da mão pesada do governo, mas é um indicador muito utilizado e relativamente bem aceito por aí em início de debates. Então veja o primeiro gráfico, relacionando a liberdade da imprensa com o que podemos chamar de “tamanho do governo”. Há evidências de que esta correlação pode não ser espúria, é bom ressaltar.

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A correlação entre estes dois indicadores é positiva: ceteris paribus, países com maiores governos (em nossa medida) também são países em que a imprensa sofre mais.

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Quanto ao índice de liberdade econômica, temos o gráfico abaixo que parece indicar uma evidência preliminar de que liberdade de imprensa e liberdade econômica podem, sim, estar relacionadas.

freedom2Algumas observações iniciais importantes:

a) Ok, eu só olhei 2014. Eu sei que você pode me falar que o que importa é a evolução dos índices ou mesmo as suas taxas de variação. Bem, isto exige que eu trabalhe na base de dados (não tenho ajudantes quando preciso, na hora em que preciso, né?) por muito mais tempo. Prometo tentar fazer algo assim mais tarde.

b) Outras variáveis não são importantes? Claro que são. Mas, meu objetivo aqui foi só levantar a bola. Então, você acha que na verdade estas correlações são espúrias? Pode ser. Mas eu acho que elas têm o potencial de nos contarem uma história que faça sentido, pensando na Liberdade como um conceito mais amplo que inclui a de expressão não apenas falada mas o que eu chamaria de expressão humana, o que inclui meu direito de comprar e vender o que é meu de direito.

c) Outros componentes do índice de liberdade econômica? Claro. Eu poderia fazer mais uns gráficos, mas todos padecerão dos mesmos problemas apontados antes.

Tem mais?

Eu diria para você que a liberdade de imprensa é muito importante para a democracia. E é mesmo, como você pode ver aqui. A imprensa livre e competitiva ajuda na manutenção da democracia, dizem alguns. Como ela ajuda? Por exemplo, denúncias – falsas ou não – são sempre alvo de investigação e, sim, o episódio do mensalão (o que envolve a esquerda toda: começando em Minas Gerais e terminando na Papuda, por assim dizer) é um bom exemplo disto. Tá, o mensalão é um exemplo, mas não é o único.

Jornalista é anjo?

Não. Longe disto. Há os honrados e honestos, mas há os que gostam de ver como tal, embora estejam bem longe disto. Jornalistas são seres racionais, maximizadores, e nem sempre se preocupam com a ética (veja a quantidade de livros com supostas denúncias que surgem no Brasil, sempre que algum oposicionista aponta um problema no governo, por exemplo). Moll (2008) tem um paper interessante sobre o tema (e você o encontra, junto com outros artigos interessantes, aqui (acesso pago)).

O jornalista é um homo economicus como qualquer outro, na minha opinião. Como qualquer outro homo economicus, ele tem o direito de, na minha opinião de um liberal, ressalto novamente, vender e comprar e, claro, falar o que quiser. Há normas em uma sociedade, claro, mas esta é uma outra discussão. Sociedades que não se fundam em liberdades básicas não são lugares onde, imagino, você queira viver.

Bem, eu queria falar mais sobre isto e trabalhar com uma base de dados maior, mas o tempo urge. Comentários e sugestões, por favor, na caixa de comentários.

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O que a criança quer? O que a criança pode ter?

Diga a uma criança que você tem um novo método para fazê-la ganhar mais brinquedos e ela não medirá esforços em lhe convencer que ela será uma ótima cobaia. Alguém duvida? Acho que não. Qualquer um que já tenha visto uma criança deve saber do que falo. Quem nunca viu uma, sugiro que invista alguns poucos minutos neste pequeno experimento.

Todos nós somos um pouco criança, já disse algum (ou vários) poeta(s). Queremos a felicidade e achamos que temos um jeito simples de fazer isso. O presidente não conseguiu acabar com a fome? Só pode ser porque forças malignas o impediram de fazer isto. Existe gente espancando homossexuais? Só pode ser porque existe uma elite hipócrita que promove este espancamento. Há pobreza no mundo? Claro que a culpa é dos judeus. Racismo? Obviamente uma promoção de alguma maçonaria de supostos arianos.

Pois é certo que existem os que desejam conspirar, ora bolas. Mas entre o desejo de conspirar e o fazer acontecer há muito mais problemas como sabe qualquer funcionário de empresa que vê seu chefe cometer besteira sobre besteira sem ser punido. Enquanto isso, claro, a criança interior berra por solução. Onde está a vontade política? Por que meus desejos não se realizam? Simples: por que existem forças poderosas que me impedem de alcançá-los. Tem estupro de mulher na Índia? Faltou passeata de vadia. Só isso.

Mas talvez o mundo não seja tão generoso conosco, crianças. Talvez não existam soluções fáceis. Não basta marchar, não basta acusar judeus (e talvez nem sejam eles os culpados) e nem tudo é culpa de Israel (ou do Bush). O discurso mais fácil para convencer uma criança é o do “bem” contra o “mal”. Infelizmente, não é o discurso verdadeiro.

Na verdade, discursos como este geram crianças arrogantes. Crianças que pensam que tudo é uma questão de vontade. Tem uma galera que não percebe que a inflação subiu? Bem, o povo é ignóbil e precisa de um guia que os leve à compreensão plena, diz-nos a criança que habita nosso coração.  A criança quer muito que o mundo seja explicado desta forma. Chega a dar raiva quando o discurso não “cola” nos fatos. Vai ver existe uma versão judaico-militar da história que precisa ser substituída pela – vamos chama-la desta forma – versão infantil.

A imagem da criança evoca também a juventude e esta, claro, evoca energia, vontade, uma suposta facilidade em se resolver as coisas porque se é jovem. Jovens espancando pais? Não é apenas a Revolução Cultural de Mao – um legítimo experimento socialista – que promoveu este tipo de coisa. Houve também o Khmer Vermelho, hoje, devidamente colocado sob o tapete nas aulas de História. Por que? Porque estas terríveis imagens conflitam com a versão infantil dos fatos. Por que arrancar a inocência da juventude?

O interessante é que a criança interior se esquece da humildade. Será que sua versão explica mesmo os fatos? É só uma questão de conspirações? A explicação fácil não dói, mas a explicação complexa, ah sim, dói muito. Como é possível o socialismo discriminar e massacrar homossexuais? Mas é o que ocorreu em diversos países socialistas. Falar de racismo em Marx ou em Engels é quase pecado, mas é impossível negar os escritos deles (ainda que discretos e colocados, novamente, debaixo do tapete).

Seria o liberalismo (ou libertarianismo, para diferenciar o liberal norte-americano, que é, atualmente, exatamente o oposto do liberal no sentido clássico) compatível com alguma explicação fácil da realidade? Não.

O liberalismo não promete 100% de sucesso. O liberalismo é o que há de mais moderno, complexo e interessante, na minha opinião, e mesmo assim não garante sucesso. Aliás, não é diferente da inteligência artificial ou da computação. Como é que nós, crianças, pretendemos moldar indivíduos que sequer entendemos à nossa imagem e semelhança…que sequer é perfeita sob qualquer aspecto? A pergunta, tal como em outros momentos deste texto, também foi para debaixo do tapete que, inclusive, já se mostra desconfortavelmente irregular em sua superfície.

O liberalismo é uma solução que evoca a ordem espontânea, termo tão citado quanto pouco compreendido. Ainda há quem, no século XXI, acredite que há como moldar o ser humano segundo algum critério. Tentativas não faltam, claro. Há quem veja na propaganda uma arma poderosa (embora não consiga explicar como escapou da mesma). Outros falam de neurolinguística (embora continuem existindo disputas entre políticos). A lavagem cerebral também está na ordem do dia, mas é indefensável por um liberal.

Há também aqueles que pensam que alguns liberais são lacaios inconscientes da conspiração judaica-cristã, embora se vejam puros de similares influências. Quem é liberal, claro, só pode ter “viés ideológico”. Um não-liberal, obviamente, nunca se assume como viesado. O problema do debate político envolve, assim, uma criança que sofre ao encarar o mundo sob uma outra perspectiva que nem sempre lhe dará o conforto da certeza ou do autocentrismo. Envolve também a capacidade de enxergar um tapete irregular e de altura consideravelmente distante do normal e dizer que é apenas uma ilusão de ótica.

O liberal nunca prometeu a solução correta, apenas o método menos agressivo à natureza humana e que gere mais prosperidade para todos. Não há garantias que haverá igualdade de X ou Y em cada nano-segundo. Não há garantias de que o liberalismo não possa ser vencido por crianças que tenham dificuldades de enxergar outros pontos de vista e até de mudar de opinião. Não garante o liberalismo que nada de errado ocorrerá e, claro, não garante que não possam nascer pessoas que pensem como anti-liberais.

Para que serve, então, o liberalismo? Talvez devamos perguntar: onde nos levará uma criança auto-cêntrica que não muda de opinião? Esta sim, é a pergunta interessante para nós, adultos e, com alguma esperança, para muitas crianças.

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Lógica dos mercados ou lógica das pessoas?

Engraçado como são as coisas, leitor. Você chegou aqui, nesta página, intencionalmente ou não. Se irá prosseguir com a leitura ou não depende tão apenas de você. Duvido que alguém o esteja obrigando a ler este texto mas, se houver, é porque provavelmente a leitura faz parte de alguma tarefa escolar que vale pontos que você, novamente, escolheu não deixar passar porque, há algum tempo, escolheu fazer um curso superior. Claro, você pode ter escolhido o curso superior por gosto ou porque seu pai o obrigou. Exceto por uma incrível coincidência de gostos, você estará insatisfeito no segundo caso.

Agora, imagine seu amigo internauta que mora em Cuba. Provavelmente ele faz várias escolhas no seu dia-a-dia. A diferença (por enquanto) é que, lá, o conjunto de escolhas possíveis que ele pode fazer é mais limitado. Limitado não apenas pelo grau de desenvolvimento tecnológico do pais, pelo progresso, pelas condições naturais da região em que vive ou pela sua educação, mas também por um governo que lhe tolhe estas escolhas. Você poderia imaginar um outro amigo sueco, um espanhol, um chinês e um boliviano. A essência do fenômeno não mudaria, como você já deve ter percebido.

As escolhas individuais são, essencialmente, suas. Se você se acha inteligente porque escolheu se formar em Engenharia ou em Direito, é um problema seu: o mendigo da rua também faz escolhas individuais de forma tão inteligente quanto você. É verdade que ele tem menos opções de escolha, mas, por isso mesmo, pela escassez de opções, é provável que seja até mais rápido do que você ao optar entre vender balas no sinal e dormir no passeio. Ironicamente, é provável que muitos sejam mais eficientes do que você em suas escolhas.

Agora, não lhe parece que estou falando obviedades? Alguém poderia escolher debater um ou outro aspecto do que foi dito até agora, mas não haveria discordância sobre o papel das escolhas (veja, alguém escolhe debater). A verdade é que todos os exemplos acima ilustram a lógica da ação individual, do ponto de vista do que se ensina na Ciência Econômica.  Por motivos os mais diversos, incluindo uma dose de parcialidade e desonestidade intelectual, alguns chamam esta lógica de “lógica de mercado”. Ou seja, se eu escolho comprar um exemplar de “O Capital”, eu sigo a lógica de mercado.

A história do termo “lógica do mercado”, aposto, é similar à do “capitalismo”. Este último, como nos ensina a história, foi um termo criado pelos que propagandeavam uma supostamente ótima alternativa, o socialismo. Ninguém, até então, chamava a lógica da ação individual de “lógica do mercado”. Mesmo porque, “mercado” é algo que pode ser definido das mais diversas formas, incluindo o ato de consumir afeto materno, carinho paterno, ou assistir a uma peça de teatro.

Devido a uma característica muito comum aos seres humanos: a vaidade, é difícil ver algum adepto do termo “lógica do mercado” aceitar, sem dificuldades puramente idiossincráticas, o fato de que esta é a lógica de suas próprias ações. Isso, claro, implicaria em entender o mercado, algo que muita gente pretende saber e/ou não deseja estudar, por temor de, provavelmente, acabar curtindo (para usar um termo da era Facebook). Alguns poderiam dizer que a vaidade é a causa do wishful thinking que caracteriza a maior parte das discussões humanas (até mesmo a científica, em algumas tristes ocasiões).

Para combater a compreensão da lógica da ação das pessoas (ou individual, ou ainda “da ação humana”, na concepção de Mises), alguns debatedores se valem dos mais variados artifícios retóricos. Em outras palavras, alguns debatedores escolhem até mesmo a desonestidade intelectual para vencer o debate. Se assim o fazem porque acreditam em algum objetivo universal ou apenas por vaidade (ou alguma insegurança, etc), não importa muito pois, no final, trata-se de uma escolha.

Poderíamos dizer que esta escolha pela desonestidade deveria ser coibida pelo governo. Alguns adorariam corrigir a humanidade desta forma. O problema é que o governo também é feito de seres humanos (até prova em contrário) e que, portanto, também escolhem. Por que alguém acreditaria que escolhem o melhor para você e não para si próprio? Digamos que haja uma bondosa alma como esta. Ainda assim, quem (ou o que) garantiria que a sua escolha é a melhor para todos?

Alguns dirão: “- Mas tem a ciência! A ciência prova que o cigarro mata”. É verdade que o cigarro não é lá aquela maravilha para os pulmões de alguém. Mas a ciência não prova nada. Como disse Alberto Oliva em seu belo A Solidão da Cidadania, cuja referência bibliográfica completa agora me escapa, certezas, só na religião e, ao contrário do que muita gente pensa, às vezes é preciso ter algumas certezas na vida. Até ateus procuram certezas (como: Deus certamente não existe).

Além disso, vale lembrar, cientistas escolhem e, assim, como disse Ronald Coase (em Essays on Economics and Economists. The University of Chicago Press, 1994), não é a “ciência” que avança, mas os cientistas e seus interesses. Certos cientistas escolhem a fama, outros escolhem a pesquisa e, claro, outros escolhem avançar suas agendas baseadas em seus financiadores. Se o financiador é o governo ou uma produtora de fumo, como já vimos, não faz muita diferença pois não há garantias de que o governo saiba o que é melhor para você.

Portanto, a lógica das pessoas, como a chamei, trouxe-nos até a questão final deste texto: como é que a vida em sociedade pode ser a melhor possível diante desta inexorável lógica? Alguns diriam: mais governo! Mais legislação! Depois de termos compreendido o fato óbvio de que o governo é uma miríade de interesses, este argumento perde força. Outros gostariam de dizer que o melhor é não ter governo algum. Na verdade, sempre haverá algum tipo de governo, mesmo em uma sociedade sem um governo formal, como nos ensinam diversos autores (por exemplo: Terry L. Anderson e Peter J. Hill com seu instrutivo The not so wild, wild west – property rights on the frontier).

Certamente eu poderia escolher dizer para o leitor que há uma escolha melhor – provavelmente aquela baseada em meus desejos mais sádicos e insanos – mas o fato é que eu escolho a honestidade intelectual e enuncio aqui que: “eu não sei qual é a melhor solução”. Entretanto, de uma coisa eu sei: não é tolhendo a sua, a minha liberdade(s) que chegaremos à melhor forma de governo.

O leitor deve estar cansado de tanta repetição, mas este texto tem um objetivo bem didático mesmo. Deve ter ficado claro que a “lógica de mercado” deveria ser chamada e/ou compreendida como a “lógica de suas ações” e que, portanto, tentar entende-la pode alterar sua percepção de mundo. Isto gerará um conflito em sua mente e você, em última instância, terá de escolher entre o discurso fácil e reconfortante – mas que nega a lógica de suas ações pois alguém saberia o que é melhor para você – e a escolha da humildade, que implica que vamos, sim, respeitar a divisão de trabalho na sociedade, de que, de fato, alguns sabem mais de algumas coisas do que outros, mas também que tal divisão não será a melhor se tiver sido construída artificialmente sob a vontade de alguém, supostamente onisciente e que…sabe melhor escolher para você do que você mesmo.

Caso você acredite nesta última opção, peço que tente, de todas as formas, impedir a leitura deste texto. 

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Quem deve decidir com quem você vai se casar?

Quando eu estudava economia lá pelos anos 80, algum colega, certamente um depravado (para os padrões da época), pergunto ao professor sobre o tal “liberalismo econômico”. A resposta foi interessante e, resumindo-a, seria algo como: o liberalismo é coisa do passado. Já no século XIX, Marx mostrou que ele não funcionaria, etc. O raciocínio implícito no argumento é o da pretensão científica que o marxismo supostamente teria.

Bonito, não? Provavelmente alguém deveria ter que dizer a você o que fazer com suas horas de trabalho porque deixar que você as venda para um capitalista é péssimo. Péssimo? Para quem? Hoje sabemos que o concorrente do capitalista era o burocrata autoritário dos regimes socialistas. Os professores de história de hoje parecem não querer se lembrar, mas nós sabemos o que foi o Camboja sob o Khmer Vermelho, a Alemanha Oriental, a União Soviética e, claro, há Cuba, que segue inexplicavelmente inocentada por alguns que juraram estudar a história.

O argumento “temporal” é bastante risível, para dizer o mínimo. Basta pensar em um alemão vivendo em 1930. Para ele, pela lógica acima, o nacional-socialismo seria superior ao socialismo pois veio depois do mesmo. Ah sim, e não nos esqueçamos do caráter científico da ideologia nacional-socialista, com suas menções a uma raça ariana e tudo o mais. Tal como no socialismo, também já foi mostrado pela história que muitos destes belos mitos não passavam de desculpas para realocações coercitivas de recursos com o uso, inclusive, da violência, para o enriquecimento de alguns poucos. No caso dos nazistas, veja-se, por exemplo, a descrição de Heather Pringle sobre os rent-seekers de Himmler em The Master Plan, Harper Perennial, 2006. No campo socialista, os exemplos abundam e o mais famoso talvez seja o soviético Trofim Lysenko.

Apesar de tudo isto, outro dia ouvi o exemplo mais exótico de argumento contra o “demoníaco liberalismo que defende o mercado sem rosto e coração contra o cangaceiro popular e pobre”. Segundo o relato, o argumento era mais ou menos assim: “o liberalismo é uma coisa que talvez funcione no futuro, mas não agora”. Espere, você leu direito? Leu sim. O argumento do século XXI para – supostamente – derrubar o liberalismo (ou o libertarianismo) é exatamente o oposto do argumento que ouvi nos meus anos de graduação. Como a comunidade acadêmica evoluiu de lá para cá…

O novo argumento tem um sabor de sadismo: ele reconhece que o defensor do liberalismo pode até ter razão, mas o mundo real, este safado, não está pronto para ele. Não duvidaria se alguém me dissesse que o argumento se baseia na seguinte falácia: “para o liberalismo funcionar, deveríamos ter pessoas que colocassem o bem comum acima do bem individual”. Já ouviu isso antes? Sim, esta falácia era usada para se justificar revoluções de esquerda nos tempos do regime militar. Além do fato de que pode, inclusive, ser impossível, existir o tal conceito de “bem comum”, o argumento mostra que alguém precisa fazer o dever de casa e ler Adam Smith. Quem disse que o liberalismo só funciona com gente castrada de interesse próprio? Pois é justamente o contrário e é por isso, provavelmente, que muitos acham contra-intuitivo entender que o liberalismo gera felicidade e prosperidade para mais gente do que em outros arranjos sociais justamente por se basear nas ações auto-interessadas dos indivíduos.

A pretensão anti-liberal é a de que a interação de milhares de indivíduos é inferior a algum tipo de planejamento (erroneamente pensado como superior ao processo social) de algum grupo de pessoas que podem até representar uma classe de seres humanos bem-intencionados. Deste raciocínio surge o que eu chamo de vício de engenheiro. Tal vício surge com bastante frequência quando se discute liberalismo com alguns profissionais de formação em Ciências Exatas. Muitos deles argumentam que “se deve consertar estas injustiças controlando estas ações individuais”. Mesmo que não haja um consenso científico, digamos, sobre quem deveria decidir com quem se casar, defendem os viciados, nós, que estudamos mais do que eles e sabemos que pessoas são como tijolinhos, vamos decidir com quem cada um vai se casar.

Daí se segue um discurso até simpático, creditando à suposta Razão Humana (seja lá o que isso for), a capacidade de alterar a natureza a seu favor, gerando progresso, etc. Lembra muito o argumento inicial apresentado neste texto. Não é preciso ler Hayek – embora se você quiser entender o argumento liberal, você deva fazê-lo – para ver que, primeiro, pessoas não são tijolinhos e, segundo, o conhecimento não surge do céu, de alguma Razão Humana que more no Olimpo (ou em algumas faculdades de engenharia, sociologia, direito ou economia, dentre outras) e atinge os seres humanos em cheio.

A realidade é bem mais interessante e complicada de se entender e é por isso que penso que se há um lugar no qual a anarquia sempre nos leva a uma vida melhor, este lugar é na pesquisa científica (e também nas artes em geral). Ninguém sabe melhor do que eu com quem eu devo me casar. Eu posso até estar enganado, mas você não me conhece melhor do que eu mesmo. Da mesma forma, eu não sei se é melhor você não comer hambúrgueres. Você é quem sabe. Vá ao médico, veja suas perspectivas de vida e decida por si. Por que eu deveria decidir por você? Nem que eu fosse eleito!

Interessante como o liberalismo (libertarianismo) nunca prejudica as pessoas por suas crenças. Você é gay? Problema seu. É um islâmico? Problema seu. Desde que você não obrigue ninguém a fazer algo contra sua vontade pelo uso da força física, não há problema. Você pode defender a morte de milhões (como os nacional-socialistas e os socialistas), mas se você encostar o dedo em alguém com esta intenção, os vigilantes da liberdade o levarão para o tribunal.

O liberalismo é bom demais para ser deixado para o passado ou postergado para o futuro. Este sim, é um ponto para se refletir.

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O brasileiro selvagem, o trânsito e a liberdade

Descia a rua com calma e, lá embaixo, outro motorista vira e entra na mão oposta. Ao lado dele, espaço para se acomodar. Do meu, nenhum. Vejo que não há muita folga na passagem dos dois carros e, assim, páro e vou lentamente para não arranhar meu carro e nem o do outro motorista. O mesmo não resiste: “- Folgado, heim”? O que este episódio nos ensina? Primeiro, que muitos brasileiros não entendem a educação no trânsito. Quem entra na via não tem a preferência sobre quem nela já está. Em segundo lugar, o episódio mostra que o brasileiro pode ser bem selvagem em situações do mais absoluto cotidiano.

Você deve se perguntar, imagino, sobre como eu vejo um Brasil mais liberal gerando mais prosperidade para todos já que o nível de educação de gente como este motorista beira à selvageria (sem ofensas aos que habitam as selvas). Você pode se perguntar mais: como é que o brasileiro viverá em sociedade se não tem, em média, um nível de educação decente? E o que dizer do nível de leitura: dois livros (contando ebooks) ao ano, segundo uma pesquisa divulgada há algum tempo, com surpreendente baixo nível de estardalhaço, na imprensa?

Geralmente, 90% dos meus amigos mais autoritários começam seu argumento desta forma. Quase posso enxergá-los dizendo: “- E agora, camarada? Este imbecil aí vai aprender o tal liberalismo”? Ou então: “- Eu não te disse? Brasileiro não sabe viver em sociedade. Não tem jeito mesmo”. Daí passam para todo tipo de solução (principalmente se a conversa ocorrer em um boteco…) como: “- Tem que botar este povo na linha com leis mais duras”! Ou: “- Este povo tem que ser obrigado a aprender no chicote. Precisamos de mais “militarismo”!

Os argumentos, digamos, brasilocêntricos, sempre fazem questão de enfatizar a estupidez do povo brasileiro. Por algum motivo mágico, os críticos, também brasileiros, escapam deste estado de burrice e alegam que isto é normal porque “- Eu tenho estudo, eu fiz faculdade”. Bem, infelizmente, muitos destes meus amigos são capazes de furar filas, dirigir como o imbecil acima, etc. Ou seja, não é tanto a educação formal a causa do problema, embora ela seja importante.

Por que brasilocêntrico? Bem, porque não é verdade que comportamentos assim não ocorram em outros países. Por exemplo, os suíços podem portar armas e não saem por aí matando gente em escolas. Logo, dizer que desarmar as pessoas soluciona o problema da violência no Brasil não é uma afirmação lá muito sólida. Outro exemplo interessante e triste é o do estupro de mulheres. Nenhuma lei impediu, até hoje, que o fenômeno terminasse em qualquer lugar do mundo. Entretanto, parece ser correto dizer que – voltando à Suiça – haja menos estupros neste pequeno país europeu do que no Brasil (mesmo que façamos as costumeiras normalizações como “estupros por 10 mil habitantes”). Então, nada de brasilocentrismo (ou jabuticabismo).

Sabemos, graças a pesquisas as mais diversas, que há algumas características impressas em nosso DNA por conta do processo evolutivo (e lembre-se que macacos podem ser tão ou mais violentos que os seres humanos). Por outro lado, nossa evolução também nos faz criar instituições que prolonguem nossa sobrevivência. Tais fatos valem para brasileiros e não-brasileiros, claro. Não é difícil se aceitar que nossa sobrevivência tenha uma relação positiva e forte com a renda per capita (ou da renda familiar), o que nos leva, para a tristeza dos que odeiam a economia, à inevitável necessidade de entender que tipo de instituições geram mais ou menos renda per capita (e, eventualmente, que instituições geram sociedades menos desiguais).

Sobre esta questão, os economistas têm trabalhado um bocado e, claro, sabemos pouco ainda. Nosso conhecimento parece indicar alguns fatos surpreendentes e outros nem tanto. Por exemplo, sabemos que algumas instituições geram maior renda para as famílias do que outras porque estas instituições foram moldadas (geralmente por ninguém em particular ou como resultado inesperado de alguma medida tomada por alguém, no governo ou não) de maneira a incentivar as trocas voluntárias entre pessoas.

Sabemos também que há ambientes que poderíamos chamar de “cultural”, no sentido de certos valores que alguém poderia chamar de “base moral” que levam ao desenvolvimento. Por exemplo, sabemos que pessoas que valorizam matar outras pessoas não são lá muito propensas a trocas voluntárias e preferem o roubo. Este não é um bom valor em termos das trocas voluntárias mas, surpreendentemente, pode ocorrer de o roubo gerar, de forma não-intencional, instituições pró-desenvolvimento. É possível imaginar que a abundância de terras em um vasto continente norte-americano no início de sua colonização tenha gerado pouca demanda por direitos de propriedade privados. Não-intencionalmente, o crescimento demográfico torna a terra mais escassa e, portanto, esta demanda pode mudar.

Que valores são os “melhores” para gerar uma sociedade próspera e pacífica é algo que não sabemos responder ainda. Por outro lado, parece mais interessante pensar que sua descoberta é um processo de tentativa e erro que pode acertar seu alvo se não for tolhido por instituições ruins. Por exemplo, ao proibir os moradores de um bairro de passearem com seus filhos numa praça, estará o governo gerando pessoas enclausuradas com todas as consequências que daí advém (boas ou más).

grafico_mortes_liberdade

O tema é, sem dúvida, polêmico e cheio de arapucas ao longo do caminho. Entretanto, percebo que até mesmo o pobre motorista sem noção de educação básica pode aprender a dirigir melhor em uma sociedade mais liberal do que em uma sociedade autoritária. Aliás, países mais livres (tomando apenas a dimensão econômica) também parecem ser países com menos fatalidades no trânsito (veja o gráfico acima). Pura correlação ou há uma conexão causal? Será que a liberdade econômica gera infra-estrutura melhor e, portanto menos acidentes? Ou será que a liberdade econômica é compatível com uma atitude menos violenta e, portanto, há menos acidentes?

Não tenho a resposta, mas imagino que o leitor tem muito a ganhar se pensar neste problema e, claro, cuidado com o trânsito: motoristas mal-educados e violentos ainda não são a exceção neste país…

Fonte dos dados: Wikipedia (verbete: List of countries by traffic-related death rate) e http://www.freetheworld.com.

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Romantismo e Liberalismo

A imaginação romântica só podia florescer dentro de um profundo respeito pelas fantasias pessoais; por isso o romantismo era liberalismo em literatura, na sua desconsideração pelo decoro clássico e na sua subversão de regras clássicas. Igualmente, o liberalismo sustentava que o domínio pessoal era algo de inestimável em si mesmo e não apenas um meio para outro objetivo. [Merquior, J.G. “O Liberalismo – Antigo e Moderno”, Nova Fronteira, 1991, p.61]

Não consigo, mesmo, entender porque algumas pessoas insistem em dizer que o “liberalismo é malvado e feio pois acaba com a diversidade”. É justamente o oposto e Merquior coloca isso muito bem no trecho acima.

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Ganhadores do concurso do Fraser Institute

Assista todos os vídeos! O da limonada, o “let it be” e Sarah são os melhores, para mim. Eis o anúncio oficial (os links dos vídeos cortesia deste blogueiro).

Winners of Fraser Institute student video contest showcase economic prowess, filmmaking skills

Release Date: January 26, 2010
VANCOUVER, B.C.—Sixteen students from across Canada and the U.S. share $10,000 in prizes in the annual student video contest held by the Fraser Institute, one of Canada’s leading public policy think-tanks.

Students in Victoria, Vancouver, Calgary, Thunder Bay, Toronto, and Ottawa received awards for their entries. A complete list of the winners is below.

Students were asked to create a video answering the question “what is the appropriate role of government in the economy?” Sixty-two videos submitted by 133 university and high school students from across Canada and the U.S. were entered in the contest—more than triple the number of videos entered in last year’s contest.

“The creativity and adept analyses these students put into their videos is remarkable. It’s very encouraging to see young people engaged in such a critical debate about the role of government in the economy,” said Peter Cowley, Fraser Institute senior vice president of operations.

The winning entries were selected based on originality, clear expression of ideas, production values, quality of story, and understanding of the topic. A special Viewer’s Choice Award was also awarded in each category to the videos with the highest rating on YouTube. All videos can be viewed at http://www.youtube.com/fraserinstitute.

Brendan Conway-Smith from the University of Ottawa took second prize in the post-secondary category.

“Brendan’s video was a clear standout. The high production values and sharp examination of the topic made this an impressive entry,” Cowley said.

Jason Killion from Reynolds Secondary School in Victoria, B.C. won third prize in the high school category.

“Another great entry showcasing a keen grasp of economics and video production—very well done,” Cowley said.

The contest was sponsored by The Lotte and John Hecht Memorial Foundation.

2009 Student Video Contest winners

Post-secondary category

1st place ($2,000)
My Friend Sarah
Created by Mark Meranta (George Mason University—Fairfax, V.A.)
and Terra Strong (George Mason University—Fairfax, V.A.)

2nd place ($1,500)
Letting Be
Created by Brendan Conway-Smith (University of Ottawa—Ottawa, O.N.)

3rd place ($750)
Laissez Faire
Created by Ty Mills (University of Calgary—Calgary, A.B.)
Kasper Woiceshyn (University of Toronto—Toronto, O.N.)
Robert Wensley (Bob Jones University—Greenville, S.C.)
Marc LeClair (Westmount Charter School—Calgary, A.B.)

Runner-up (received a handheld camcorder valued at $500)
Let it be
Created by Tori Finlayson (University of British Columbia—Vancouver, B.C.)

Viewer’s Choice Award ($750)
My Friend Sarah
Created by Mark Meranta (George Mason University—Fairfax, V.A.)
and Terra Strong (George Mason University—Fairfax, V.A.)

High school category

1st place ($1,500)
Government’s Practical & Moral Role
Created by Lance Knight (Peripatos Academy—Pittsboro, N.C.)

2nd place ($1,000)
Public Option, Post Office—Are You PO’d Yet?
Created by Travis Knight (Peripatos Academy—Pittsboro, N.C.)

3rd place ($750)
My Crazy Dad and the Role of the Government
Created by Jason Killion (Reynolds Secondary School—Victoria, B.C.)

Runner-up (received a handheld camcorder valued at $500)
Capitalist Rap
Created by Aiden Wilks (St. Mary’s Senior High School—Calgary, A.B.)
Paula Turcotte (St. Mary’s Senior High School—Calgary, A.B.)
Matthew Tiberio (St. Mary’s Senior High School—Calgary, A.B.)

Viewer’s Choice Award ($750)
A Tale of Two Citrus—A Canadian Allegory
Created by Lucas McEachern (Westgate Collegiate & Vocational Institute—Thunder Bay, O.N.)
and Craig Draeger (Westgate Collegiate & Vocational Institute—Thunder Bay, O.N.)

View the winning videos at www.youtube.com/FraserInstitute.

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John Stagliano

Meu amigo Hamdan insistia que ele havia morrido. Foi desmentido (aqui). O brasileiro médio, que não entende direito o que é liberalismo (ou libertarianismo) e conservadorismo, geralmente fica sem entender nada quando lê uma notícia como esta. Afinal, Stagliano está ao lado dos “neoliberais”?

Já falei inúmeras vezes – aqui e em outros lugares – sobre a estupidez de se usar este rótulo bizarro (“neoliberal”) e no quanto ele mais confunde do que realmente ajuda a entender o espectro político.

De qualquer jeito, eis Stagliano em mais um caso de liberdade de expressão – alguém ainda se lembra do polêmico filme sobre Larry Flynt?

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Novo partido político: Liber

Os libertários aparecem no Estadão: Juliano Torres é o entrevistado. Você pode não ser um anarquista de mercado, como ele. Mas o nascente partido é, pelo menos em termos programáticos, um colírio. O partido conseguirá se manter? Sucumbirá à corrupção? Questões como esta aguardam estes jovens 500 fundadores.

Vale a pena procurar saber mais sobre Liber. Veja, por exemplo, esta página. Juliano Torres já apareceu por aqui, diga-se de passagem, em nosso e-book sobre a lei seca.

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Tipos de liberais

Só para lembrar, nos EUA, “liberal” é sinônimo de “social-democrata”. Já “conservative” é algo como “conservador” mesmo. Logo, os liberais americanos se chamam de “libertarians”. Bem, vamos ao caso. Tyler Cowen criou uma taxionomia sobre os libertários dos EUA:

1. Cato-influenced (for lack of a better word).  There is an orthodox reading of what “being libertarian” means, defined by the troika of free markets, non-interventionism, and civil liberties.  It is based on individual rights but does not insist on anarchism.  A ruling principle is that libertarians should not endorse state interventions.  I read Palmer’s book as belonging to this tradition, broadly speaking.

2. Rothbardian anarchism.  Free-market protection agencies will replace government-as-we-know-it.  War is evil and the problems of anarchy pale in comparison.  David Friedman offered a more utilitarian-sounding version of this approach, shorn of Misesian influence.

3. Mises Institute nationalism.  Gold standard, a priori reasoning, monetary apocalypse, and suspicious of immigration because maybe private landowners would not have let those people into their living rooms.

4. Jeff Friedman and Critical Review: Everything is up for grabs, let’s be consequentialists and focus on the welfare state because that’s where the action is.  Marx is dead.  The case for some version of libertarianism ultimately rests upon voter ignorance and, dare I say it, voter irrationality.

5. “Hayek libertarianism.”  All or most of the great libertarian thinkers are ultimately compatible with each other and we have a big tent of all sorts of classical liberal ideas.  Hayek and Friedman are the chosen “public faces” of this approach.  “There’s a classical liberal tradition and classical liberal values and we can be fuzzy on a lot of other things.”

Acho que fico entre 1 e 5 tendo simpatia pela abordagem de David Friedman que eu não classificaria como Rothbardiana já que o fundamento não-austríaco de Friedman costuma ser rejeitado por boa parte dos seguidores de Rothbard.

Como toda taxionomia, esta é sujeita a críticas, mas eu gostei. Gostaria, na verdade, era ver uma classificação liberal para o Brasil. Aposto que quase não existem tendências.