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Consumo de bens de aplicativos versus consumo de bens comprados no supermercado e o teletrabalho

A pandemia nos trouxe um problema de decisão: saio de casa para comprar pizza ou peço pelo aplicativo? Por mais que governos presumam que todos obedecerão suas ordens acerca do distanciamento social/isolamento, não há controle perfeito (mesmo em países pequenos). Portanto, em última instância, a decisão é sua.

Dito isto, suponha que o governo sugira a adoção do trabalho remoto (slogan que já ouvi: “se puder, fique em casa”) e algumas empresas, percebendo que possuem maior capacidade de se adaptar (parte ou toda a) sua força de trabalho nesta modalidade, acatam a sugestão. Passamos, então, para o nível seguinte: o trabalhador.

O trabalhador que consegue seguir em suas atividades em teletrabalho, deve decidir se, além das horas em frente ao computador, sairá mais ou menos de casa. Suponha, para simplificar a exposição, que ele se adapte como seu empregador. Em outras palavras, trabalhadores que estão em teletrabalho também diminuem suas saídas para fins de consumo, ou seja, eles passam a consumir mais bens oriundos do comércio eletrônico (há um efeito-substituição entre bens comprados presencialmente e por meio do comércio eletrônico).

Bonito este modelo, mas qual a relevância empírica disto? A boa notícia: é bem relevante. Recente pesquisa, para os EUA (com uma amostra muito, mas muito grande mesmo…) mostrou que:

We find that the presence of jobs with high work-from-home capacity in a region increases the ability of people to self-isolate and decreases their unemployment risk, whereas the presence of jobs with high physical proximity decreases the incidences of self-isolation and unemployment and increases the incidence of work during the pandemic. These heterogeneous responses based on local job characteristics persist even conditional on a broad set of demographic and socioeconomic variables. [Ge, Suqin and Zhou, Yu, Social Distancing, Labor Market Outcomes, and Job Characteristics in the COVID-19 Pandemic (August 12, 2020).SSRN: https://ssrn.com/abstract=3672378]

O ponto interessante que percebo no texto dos autores é que há uma variável a ser considerada para pensarmos no consumo das pessoas: o grau de capacidade de adaptação do setor da economia (ou da empresa, em um nível mais micro) ao trabalho remoto. Note que, neste aspecto , a pandemia é apenas um dos fatores que podem alterar a rapidez desta adaptação das empresas. Afinal, a decisão de se levar maior parcela de seus empregados para o teletrabalho pode ser oriunda de alguma mudança tecnológica (um choque de oferta), por exemplo.

Assim, ignore, por um momento, a pandemia e façamos uma análise mais geral. Vamos tentar um esboço do que poderia ser um modelo no qual os padrões de consumo variam conforme o grau de adaptabilidade ao teletrabalho do setor no qual o indivíduo se encontra.

Suponha que os gastos em consumo possam ser classificados em dois tipos: o consumo de bens que você compra por aplicativo e recebe em casa (ou mesmo uma teleconsulta médica) e o que você compra presencialmente como um jantar no restaurante (ou uma consulta médica presencial).

Suponha que a restrição dependa do tipo de emprego que você tem, ou seja se você está em um setor com alta ou baixa capacidade de (rápida) adaptação ao teletrabalho. Para simplificar, pense em dois indivíduos idênticos em tudo (inclusive no salário-hora que recebem), mas empregados em dois setores que possuem diferentes graus de adaptação ao teletrabalho: alto e baixo. Claro, cada consumidor quer obter o maior bem-estar possível diante de sua restrição.

A figura a seguir é uma possível configuração deste argumento.

Cada indivíduo tem uma cesta distinta de consumo. Aquele empregado no setor com maior adaptabilidade consome relativamente mais bens de aplicativos/internet (e vice-versa). Percebe-se que o padrão de consumo de uma sociedade com estes dois tipos de indivíduos, então, é mais ou menos heterogêneo conforme a adaptabilidade do setor da economia ao teletrabalho.

Pode-se também pode pensar na figura acima como um exemplo do que acontece quando uma empresa sofre um choque tecnológico, tornando-se mais facilmente adaptada ao teletrabalho para a maior parte de seus empregados. Neste caso, o exemplo mostraria como o padrão de consumo de um indivíduo tenderia a mudar, em média.

Ah sim, a pandemia. Como já dito, a pandemia é um choque que afeta tanto a oferta quanto a demanda. Além disso, há outro complicador: a decisão do indivíduo de manter seu consumo presencial conforme o custo de oportunidade. Ou seja, como o controle do isolamento não é perfeito, o indivíduo, como nos modelos de Economia do Crime, pode decidir sobre se sai ou não de casa (arriscando-se e aos outros) conforme a probabilidade ser punido e também conforme a severidade da punição. Neste caso, o exemplo acima apenas ilustraria o caso de um funcionário que não perdeu seu emprego em uma empresa buscou sobreviver à pandemia. Mais ainda, é um funcionário que é averso ao risco e prefere não se arriscar saindo pelas ruas.

Finalizando, este pequeno texto é apenas um esboço na tentativa de organizar as ideias diante do interessante achado empírico de Ge & Zhou (2020). Para seguir adiante, claro, mais leitura é necessária. O leitor mais familiarizado com o tema poderá trazer bons insights para a discussão e, espero, também conseguirá ampliar seus horizontes a partir deste texto.