Um dos primeiros posts deste blog foi sobre metas de inflação. Neste, quero apenas falar novamente sobre o tema, mas observando o que acontece segundo as equações do modelo.
O modelo, rapidamente
A primeira equação mostra que o hiato do produto (a diferença entre a demanda agregada (y) e o produto potencial da economia) depende de variações na taxa de juros (r)e de choques de demanda (b) (e.g. um choque de demanda poderia ser um aumento na confiança dos consumidores).
A segunda equação ilustra como o BC se comporta. É a chamada regra de Taylor. Ela diz que o BC fixará a taxa de juros (r “barra”) em níveis maiores ou menores conforme o hiato do produto e o afastamento da inflação relativamente à sua meta. Claro que o BC pode ser mais ou menos preocupado com estes objetivos, o que se traduz no fato de que c1 e c2 podem não ter o mesmo valor.
Finalmente, a última equação é a famosa curva de Phillips. Ela mostra que se a economia estiver “super-aquecida” (= “se o hiato do produto for positivo = se a demanda agregada for maior do que a oferta potencial da economia), então a inflação aumentará. Além disso, um aumento no preço do petróleo (d) também aumenta a inflação.
Qual a lógica do modelo?
O que acontece se a economia está operando em sua capacidade potencial e com a inflação exatamente na meta estipulada pelo BC e ocorre um choque de demanda?
Bom, pense que, por algum motivo, os consumidores ficaram otimistas. Isto fará com que a demanda agregada aumente. As firmas tentarão produzir mais, mas não conseguirão. Os preços começam a subir. Não sobem de imediato se você imaginar que 0 < k < 1 na terceira equação acima, mas sobem.
O Banco Central, observando o que ocorre, segue a regra de Taylor: aumenta a taxa de juros. Isto faz com que o produto diminua e a economia entra num processo de desaquecimento. Inicialmente, o hiato do produto zera, mas a inflação fica em um nível mais alto.
Para fazer com que a economia volte ao seu nível de inflação anterior, o BC deve ser mais persistente (ou adotar uma meta para a taxa de juros real). Desta forma, a taxa de juros pode ser colocada em um patamar maior ainda, gerando nova recessão que, desta vez, deixará a economia com um hiato do produto negativo (a demanda agregada ficará menor que o produto potencial), pressionando a inflação para baixo e abrindo espaço para queda nos juros com novo crescimento da economia até que o hiato do produto esteja zerado e a inflação esteja em sua meta.
Que aspectos polêmicos existem neste modelo?
O leitor que conseguiu chegar até aqui pode se perguntar sobre alguns aspectos deste modelo. Primeiro, fica claro que não existe meta de inflação independente de uma meta de atividade real da economia (o hiato do produto).
i. Uma questão importante, claro, é saber qual é o produto potencial da economia, algo que já destaquei na conversa anterior.
ii. Outro aspecto diz respeito à inflação, em especial, à curva de Phillips. Como se sabe, a inflação pode variar conforme mecanismos mais complicados que incluam a expectativa de inflação. O modelo exposto é muito simples, para fins didáticos mesmo. E digo isto porque o que a expectativa implícita no modelo acima é a mais simples possível. Trata-se apenas de dizer que a inflação no período “t” é função da inflação no período “t-1”, algo que pode não ser muito razoável se “t” é medido em meses…
iii. E o déficit nominal zero? Também já falei sobre isto antes e acho que não é difícil perceber o problema agora. Louvável, claro, seja a idéia de controle de gastos públicos. Ninguém questiona isto. Entretanto, quando se fala de déficit nominal zero, fala-se de uma taxa de juros que não pode mudar com tanta facilidade. Ao contrário do que se pode imaginar, esta rigidez é ruim porque se ocorrer um choque de demanda ou de oferta, o Banco Central não poderá atuar com a rapidez necessária e, no final, pode-se ter uma crise pior do que a que se tem sob um regime de metas de inflação (veja que isto não é sinônimo de se aceitar um governo mal-comportado que gaste mais do que arrecade ou que gaste mal e busque zerar seu déficit primário através de aumentos da arrecadação ao invés de cortar gastos).
iv. Outro ponto é: quem decide a meta de inflação? O bom senso manda que sejam pessoas que enxerguem benefícios sociais maiores do que benefícios individuais (para si próprio) numa meta de inflação. Também é necessário que quem decida sobre isto conheça um pouco de economia. A definição do mecanismo constitucional de determinação de metas de inflação não é uma questão livre de polêmicas, com certeza.
v. E a rigidez dos preços (nosso parâmetro k)? Quanto mais demorada, mais dolorosa a ação do BC? Realmente existe um problema importante aqui. Se a economia opera em um ambiente pouco concorrencial, empresas (ou sindicatos) com poder de monopólio tornam mais lenta a variação de preços. Mesmo que se possa diminuir a expectativa de inflação futura, o fator inercial pode demorar a ceder. Outra fonte de inércia, claro, é a indexação da economia, algo que não se pode eliminar sem um certo cuidado com o aspecto legal dos contratos firmados entre indivíduos de uma sociedade. Em outras palavras, calote não vale.
vi. E o produto potencial? Ele fica paradinho em “y barra”? Não necessariamente. Políticas de investimentos em infra-estrutura podem deslocar este produto para um nível maior, permitindo à economia operar em um nível de renda maior. Claro que isto não é possível quando não existem investimentos privados e/ou o investimento público é uma piada de mau gosto. Juros altos podem, neste sentido, atrapalhar os investimentos privados? Podem, mas isto depende do quanto um investimento de longo prazo reage a mudanças de curto prazo na taxa de juros (algo que tem a ver com uma tal de tendência estocástica que, só pelo nome que assusta, não vamos explicar aqui).
Para terminar…
A idéia era fornecer ao leitor não tão leigo uma pequena idéia do que é o regime de metas. Espero que tenha gostado. Caso não goste de matemática, que tal isto?
Claudio
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