Já notei que torcedores reclamam de dirigentes de clubes por diversos motivos. Uns querem mais gols. Outros, resultados (sejam eles vitórias ou classificação). Muitos motivos existem para se reclamar da direção de um clube mas, claro, é importante saber qual seria o objetivo de um clube para, então, reclamar do resultado aquém do esperado.
Quem poderia nos dizer qual o objetivo de um clube? Como não sou um sujeito muito inteligente, vou me basear apenas no que pesquiso: economia. Para minha sorte, existe a economia dos esportes (já citada neste blog) e, para ser mais exato, neste caso, precisamos da teoria dos esportes profissionais onde a escassez de recursos faz mais sentido do que nunca.
Bem, a teoria econômica dos esportes profissionais não é consensual sobre o objetivo de um clube. Existem três hipóteses principais que são bem resumidas por Késenne (2014): (a) maximização de lucro, (b) maximização de receita, (c) maximização de vitórias.
Supondo que o principal insumo para se atingir quaisquer destes resultados seja a contratação de talentos, o leitor já deve desconfiar que não vale a pena contratar 100% de talentos.
Ah sim, aqui é que está a analogia com o clássico filme Casino Royale, de 1967, que tinha um elenco fenomenal e que foi um fracasso de bilheteria. Não nos lembra alguns clubes que investiram em elencos estelares e fracassaram deixando dívidas perigosas como lembrança?
Embora não saibamos o objetivo do clube, podemos discutir um pouco o que ele faz observando o número de talentos contratados e comparando-os com algum benchmark. Sim, isto não é fácil (e é uma fonte de polêmicas), mas vejamos o que a teoria nos fornece para pensarmos no problema.
A figura abaixo é uma cópia da figura 1.1. de Késenne (2014). Supõe-se que o custo de se contratar talentos cresça linearmente (uma hipótese simplificadora, mas bem razoável). A receita é côncava (este formato de “u” invertido) nos talentos. Conforme o autor:
“If a team becomes too strong, public interest fades because of a lack of uncertainty of outcome, and total revenue can decrease”. [p.6]
A idéia da receita côncava apenas nos diz que times poderosos demais perdem receita porque já sabemos quais os resultados obtidos. Alguma incerteza, diz-nos a teoria, é necessária para que o interesse do torcedor gere algum tipo de receita para o clube (compra de ingressos, por exemplo). De certa forma, a paixão do torcedor por um clube não é, portanto, tão diferente de um relacionamento amoroso ou da vida profissional: é necessário ter alguma incerteza para manter viva a chama da paixão (principalmente quando seu time perde a vaga para a divisão de acesso, como o Esporte Clube Pelotas, no último sábado).
Deixemos a tristeza (imensa) de lado e voltemos à figura 1 abaixo. Minha análise no parágrafo logo abaixo da figura é praticamente uma tradução livre de Késenne (2014), p.7, ok?
Observe que o número de talentos contratados por um clube que maximiza lucros (t1) é menor do que o o número de talentos contratados por um que maximiza a receita (t2). Um clube que siga maximize o número de pontos no campeonato seguindo uma regra de breakeven point (ou seja, que iguala receitas e custos) contratará t4.
Os pontos t3 e t5 ilustram duas situações interessantes. O primeiro, t3, é um número de talentos contratados quando o time necessita apresentar algum lucro e, claro, t5 é um número de talentos que levará o time ao prejuízo.
Repare que a figura acima é estática, no sentido de que ela não mostra a relação das contratações ao longo do tempo. Em outras palavras, caso o clube contrate t5, como ficará sua situação financeira no período seguinte? Não sabemos.
O pior que pode acontecer é quando a direção de um clube não sabe o que fazer, ou seja, não se decide quanto a seu objetivo. Neste caso, as decisões sobre contratação de talentos será um resultado probabilístico, limitado no intervalo [t1, t5] o que, convenhamos, não é uma situação confortável.
Você pode me perguntar sobre o caso em que certos sócios injetam dinheiro no clube, aqueles dirigentes ou fãs apaixonados que ajudam o time poderia alterar este resultado. Na verdade, Madden (2012) mostra que o número de talentos contratados será algo intermediário entre t1 e t4.
Agora, pense no seu clube. Ele está endividado? Neste caso, a situação dele é algo menos confortável do que o da figura 1. Podemos pensar, simplificadamente, que a curva de custos se deslocou para cima e fica fácil ver que, em relação à figura anterior, o time terá muito mais dificuldades para contratar talentos, seja seu objetivo o de maximizar lucros ou o número de pontos, sob a restrição de receita total igual ao custo total). Repare que, na figura abaixo, os pontos t1 e t4 estão mais à esquerda dos respecetivos na figura anterior.
Não é tão difícil assim perceber que aquele que assumir um clube endividado terá muito mais problemas com a torcida, não? A idéia de se ter doações de fãs (notadamente daqueles que têm mais condições financeiras), conforme Madden (2012) não é tão ruim assim neste caso. Afinal, elas deslocariam a curva de receita total para o alto tal e qual, por exemplo, uma ajuda de uma federação de futebol (que, na linguagem técnica, é um cartel, embora, neste caso, este termo não tenha uma conotação negativa, como nos casos analisados pela área da economia chamada de Organização Industrial (Industrial Organization).
Para terminar, é triste que o Esporte Clube Pelotas tenha perdido a chance de subir para a primeira divisão do campeonato estadual gaúcho este ano. A torcida está raivosa mas o importante é ter calma e usar a razão porque nenhum clube é vitorioso se baseando apenas em etéreas vontades de torcedores. É preciso transfomar paixões em apoio ao time, seja em campo, seja em termos financeiros.
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p.s. você quer estudar mais o assunto?
- KÉSENNE, S. The Economic Theory of Professional Team Sports. 2o ed. Cheltenham: Edward Elgar, 2014.
- MADDEN, P. Welfare Economics of Financial Fair Play’’ in a Sports League With Benefactor Owners. Journal of Sports Economics, October, p. 1–26, 2012.