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Consumidores e especialistas

Vi que o Banco Central do Brasil tem um novo working paper de Gaglianone, Issler e Matos. Eis o resumo.

In this paper, we investigate whether combining forecasts from surveys of expectations is a helpful strategy for forecasting inflation in Brazil. We employ the FGV-IBRE Economic Tendency Survey, which consists of monthly qualitative information from approximately 2,000 consumers since 2006, and the Focus Survey of the Central Bank of Brazil, with daily forecasts since 1999 from roughly 250 registered professional forecasters. Natural candidates to win a forecast competition in the literature of surveys of expectations are the (consensus) cross-sectional average forecasts (AF). In an exploratory investigation, we first show that these forecasts are a bias ridden version of the conditional expectation of inflation. The no-bias tests are conducted for the intercept and slope using the methods in Issler and Lima (2009) and Gaglianone and Issler (2015). The results reveal interesting data features: consumers systematically overpredict inflation (by 2.01 p.p., on average), whereas market agents underpredict it (by -0.68 p.p. over the same sample). Next, we employ a pseudo out-of-sample analysis to evaluate different forecasting methods: the AR(1) model, the Granger and Ramanathan (1984) forecast combination (GR), the consensus forecast (AF), the Bias-Corrected Average Forecast (BCAF), and the extended BCAF. Results reveal that: (i) the MSE of the AR(1) model is higher compared to the GR (and usually lower compared to the AF); and (ii) the extended BCAF is more accurate than the BCAF, which, in turn, dominates the AF. This validates the view that the bias corrections are a useful device for forecasting using surveys.

O que eu acho legal neste resumo é ver que há uma diferença entre especialistas e não-especialistas no que diz respeito à previsão da taxa de inflação. Lembra um pouco aquela lição de que a existência de professores de Economia deve ter algum efeito, ceteris paribus.

Claro que, saindo um pouco do tema do artigo, eu fico pensando naqueles pontos que Caplan sempre levanta sobre viés de crenças irracionais, mas este é outro assunto…

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A inflação…

Abaixo, um resgate da inflação em minha infância.

Foram publicados ao longo do período 1975-1976 (perceba que não eram publicações baratas, eram praticamente livros). Como não foram publicados com uma periodicidade fixa, não tenho uma base de comparação muito precisa, mas, de um ano para outro, o preço saiu de Cr$ 20,00 para Cr$ 35,00. Dá para ver o tamanho do golpe, né?20150730_162235

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Inflação e crescimento econômico: o quão ruim é a relação?

Reexamining the link between instability and growth in Latin America: A dynamic panel data estimation using k-median clusters

Cecilia Bermudez, Carlos Dabus, Germán Héctor González

Cuadernos de Economia – Latin American Journal of Economics 05/2015; 52(1):1-23.

ABSTRACT We estimate a dynamic panel data model to assess the relationship between different levels of instability—proxied by growth volatility and inflation— and growth in Latin America from 1960 to 2011. Outlying observations could be mistakenly treated as thresholds or regime switch. Hence we use k-median clustering to mitigate the outlier problem and properly identify “scenarios” of instability. Our key findings are that while high inflation is harmful, low inflation is in fact positively related to growth. Volatility is also found to be significant and negative, but with no differential effect— between low and high levels—on growth.

Note o final do artigo: inflação baixa com crescimento econômico. A despeito de ser estranho, caso o achado seja robusto a diferentes métodos de investigação, ele nos fornece uma explicação simples para o caso de amor de alguns pterodoxos com a inflação: eles acham que um pouco de febre é sempre bom para o doente. Quer dizer, eles acham que um pouco de inflação é sempre bom para a economia.

O quão ruim é? Confira na tabela 3 do artigo deles para uma idéia inicial, antes das estimações do artigo.

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O artigo não é tão grande assim, mas a parte econométrica vai assustar os alunos menos familiarizados com o tema. Nada que um pouco de paciência e persistência não resolvam, claro.

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Você sabe que a inflação voltou quando…

Fullscreen capture 12212014 102804 AM-001Preciso dizer mais alguma coisa? Acho que não, né? Olhem aí, amigos, o anúncio do guia de cervejas do Estadão para IOS e Android. Eles poderiam ter colocado o valor em reais, mesmo que as lojas de aplicativos façam a conversão, claro.

Mas, honestamente, é mais legal com o consumidor que vive no país da política econômica esquizofrênica atual que gera inflação e diz que não o faz colocar o preço em dólares mesmo, né?

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Por que demoramos tanto para ter um Banco Central?

A demora teve a ver com a resistência política oferecida por largo número de agentes econômicos cujos interesses reforçavam os dos funcionários do BB, desejosos de preservar o status quo. Referimo-nos aos que de algum modo se beneficiavam dos empréstimos do banco. O fato de o Banco do Brasil ser a fonte da emissão monetária que cobria os déficits orçamentários do governo certamente assegurava à instituição número ainda maior de defensores, em especial no meio político.

Este trecho aí é do José J. Senna, no prefácio ao livro do prof. Pastore, Inflação e Crises – o papel da moeda, recém-lançado.

Preciso dizer mais? Não. Mas vou dizer. Na campanha eleitoral, muita gente de má fé fez de conta que não viu a propaganda na qual se acusava a instituição “autoridade monetária independente (podem chamar de “autônoma”, discussão puramente semântica…)” de ser a responsável pelo desaparecimento da comida da mesa dos brasileiros.

Não preciso dizer que é uma propaganda de péssimo gosto e mentirosa, mas o trecho acima fala por si. Ok, eu poderia ir adiante e colocar uns gráficos ou citar uns artigos dizendo o óbvio mas também não tenho paciência para fazê-lo. Quem quiser saber mais, faça seu trabalho. Mas fiquem com esta outra frase do prefácio: Sem política monetária austera, não há programa anti-inflcionário que funcione.

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Curiosidades – Os Trapalhões

Sobre o Os Saltimbancos Trapalhões, diz Barreto (2014):

Nos cinemas, já na semana de lançamento, destroçando a produção estrangeira Fuga para a Vitória, com Pelé e Sylvester Stallone, o filme arrecadou Cr$ 120 milhões e tornou-se o sexto mais visto do ano. Até sair de cartaz, levou 5,2 milhões de espectadores aos cinemas (…). O número é especialmente importante se for lembrado o momento de crise econômica do país e de encolhimento do cinema nacional. Em 1981, foram 90 milhões de espectadores contra 110 milhões do ano anterior. Os trapalhões faziam o Brasil rir, mas sorriam muito mais. [Barreto, J. (2014) Mussum Forévis: samba, mé e Trapalhões. Editora Leya, p.249]

Quer ter uma idéia? O filme é de Dezembro de 1981. Bem, vamos fazer umas contas bobas. A conversão para reais, para depois usarmos o IGP-DI já nesta moeda, é, segundo este site, a seguinte: Cr$ 90,000,000/1000^4 * 2.75 = R$ 0.0002475. Pois é. Mas e a inflação? Vamos dividir pelo IGP-DI médio de 1981 e trazer a preços de 2013 (grosso modo, à média de 2013). Isto nos dá: R$ 56,434,002.91 a preços de 2013.

Olha que estamos falando de um filme que foi gravado nos estúdios da Universal, em Los Angeles. A inflação é algo terrível, não?

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Momento Político do Dia

Na bela biografia do Mussum, conta-nos o autor, Juliano Barreto acerca do clássico O Trapalhão no Planeta dos Macacos, que o roteiro não era apenas uma paródia do sucesso original mas…

Os tiranos do outro planeta planejavam um golpe de Estado, castigavam seu povo impedindo o uso de eletrodomésticos e bens de consumo importados e não conseguiam controlar a alta no preço da banana por conta de uma cruel inflação. Mais ou menos como outros primatas faziam em Brasília. (Barreto, J. (2014). Mussum forévis: samba, mé e Trapalhões, p. 180)

O mais irônico é que, não sei se o autor percebeu, parece que a macacada continua em Brasília. Sobre a inflação de 1976? Dá uma olhada no seu livro de economia brasileira. Ou veja este vídeo.

Ah, a inflação da banana…
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A propaganda infantil nos tempos da inflação: o caso da caderneta de poupança

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Como a inflação voltou, infelizmente, não custa lembrar de como era a vida nos tempos dourados em que a política monetária era discricionária, a política fiscal era ultra-keynesiana e o discurso de que não existiriam consequências relevantes, para a microeconomia, do descontrole macroeconômico era a regra.

A imagem acima fazia parte da propaganda de um banco em revistas em quadrinhos lá nos anos 70. Repare na conversa dos nossos heróis. Ela nos mostra algo mais sutil, não? A inocência da infância, tão cantada em verso e prosa por políticos e economistas que insistem em se dizerem “amigos do povo” era profanada diariamente pela inflação galopante. Há formas e formas de se aprender sobre a inflação (ou sobre o câncer) e uma delas é vivenciando-a (pensou no câncer?).

Tragicômico, não?

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A inflação está quase lá…

Dizem as notícias que:

Consumer price increases accelerated to 6.51 percent in the 12 months through June, according to the median forecast of economists surveyed by Bloomberg before tomorrow’s report from the national statistics agency. That would be faster than the 6.5 percent upper limit of the official target range.

Ou seja, estamos perigosamente lá e ninguém viu porque estão todos preocupados com o jogo de futebol de hoje.

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A inflação na Alemanha Oriental: incentivos econômicos funcionam sob qualquer tipo de governo

Eis algo sobre a inflação na Alemanha Oriental segundo o livro Foi-se o Martelo, de Ben Lewis. Trata-se do motivo para se censurar uma capa de uma revista satírica, a Eulenspiegel (aparentemente, ela ainda existe).

A capa, de uma das edições de 1981, faz piada com a inflação, que era um tabu nos países socialistas porque, afinal, inflação é coisa de país capitalista. De qualquer forma, informa-nos o livro que a inflação seguia firme e forte na potência esquerdista da época. Qual o motivo da censura? Primeiro, veja a capa.

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“Cá entre nós, é claro que esta é a salsicha de sempre; mas, graças aos dois nós em cada ponta, ela adquiriu propriedades totalmente novas”. (Lewis, Ben (2014), Ed. Record, p.234)

Agora, ao trecho:

A charge que provocou ofensa mostrava um açougueiro com um novo tipo de cordão de salsicha, que contava com a irrelevante adição de um nó extra em cada extremidade – dois em vez do único habitual – e custava 1 marco em vez dos costumeiros 80 pfennigs (…). (p.235-6)

Nada diferente do que vimos no Brasil na época da hiperinflação (esta mesma com a qual nossos economistas do governo paqueram tão perigosamente nos últimos anos). Os heterodoxos tentaram controlar a inflação por meio de congelamento de preços e isto gerou práticas similares à ironizada na capa da Eulenspiegel (pelo menos ninguém era preso aqui por fazer piadas assim, nem perdia o emprego, etc).

A grande lição é que incentivos econômicos não são diferentes no hemisfério norte e no sul, por exemplo, como queriam, a todo custo, vários de nossos cepalinos (e seus seguidores que, por sinal, ainda existem). Também não deixam de operar porque existe um governo totalitário como o que houve no paraíso bolivariano outrora conhecido como bloco soviético. Nada disto. Incentivos econômicos operam com mais ou menos força, de forma mais ou menos óbvia, mas operam.

Eu bem que tentei encontrar aqui uns dados de inflação na Alemanha Oriental, mas como lá eles faziam como o atual governo argentino, acho difícil encontrar indicadores confiáveis das reais consequências do comunismo alemão sobre a vida das pessoas. Bom, mas a charge aí acima até que nos ajuda a entender bem o que ocorria…

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Inflação estrutural: um conceito em busca de um sentido (mas com muita platéia)

Gustavo Franco, hoje, no Estadão, fala sobre a malandragem conhecida como “inflação estrutural”. Alguém poderia querer levar isto a sério e, para estas pessoas, eu indico sempre o estudo do Fernando Holanda Barbosa: A inflação brasileira no pós-guerra: monetarismo versus estruturalismo, publicado pelo falecido PNPE junto ao IPEA, em 1983. Poucos estruturalistas leram o livro (basta ver que ele nunca é citado nos supostos debates “plurais” promovidos pela patotinha) e há fortes indícios de que isto se deva ao fato de eles acharem econometria um instrumento maligno, de tons neoliberais.

Sobre o texto de Franco, temos esta importante constatação:

O legado mais duradouro e popular da “teoria da inflação estrutural” era tão simples quanto devastador: a (suposta) inutilidade das políticas de estabilização convencionais, argumento que ainda soa como poesia para os amigos da inflação.

Poucos se dão conta da importância e da contundência desse drible dado pelos “estruturalistas”: nunca se fazia uma defesa aberta da inflação, mas um ataque às políticas monetárias ortodoxas e à austeridade. Em retrospecto, deveria ser claro que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo” e os “estruturalistas” estavam trabalhando a favor da inflação, às vezes admitindo “expropriar os rentistas” ou “tributar a riqueza ociosa”, um argumento que frequentemente se associava a lord Keynes.

Não há como negar. Alguém que se dê ao trabalho de ler os argumentos verá que a descrição de Franco está correta. Aliás, um estruturalista sincero não negará que sempre foi contra as assim chamadas políticas monetárias ortodoxas. Junte-se a isto o debate sobre a existência da curva de Phillips (salvo engano, nas páginas da PPE, no início da década dos 80), e você tem um caldeirão de idéias nem sempre logicamente conectadas para jogar o combate à inflação no lixo.

Obviamente, a curva de Phillips pode ser bastante instável e tudo o mais, mas não é disso que este pessoal falava. Como o texto acima destaca, a malandragem consiste em dizer algo como: “a curva de Phillips não existe e, além disso, a gente escolhe o eixo horizontal como cavalo de batalha”. Infelizmente, para este pessoal – alguns dos quais chegaram a dizer que a convivência com a inflação já era parte da cultura do brasileiro – o Plano Real veio com medidas convencionais (ou, se preferir, ortodoxas) e mostrou algo óbvio em qualquer ciência: o que os testes empíricos mostraram (e a história, e a teoria, etc) funcionava. A inflação se foi. Nem doeu tanto, doeu?

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IPCA…chegamos lá: estamos quase nos anos 80…

Deu lá no IBGE, pessoal: 0.92% ao mês. Nada de herança maldita, nada de tucanagem, nada de alma branca do Joaquim Barbosa só porque ele colocou políticos na cadeia, nada de crise asiática, nada de neoliberalismo, nada de independência do Banco Central.

Ah sim, não vamos amarrar os tomates nos postes, né, classe média intelectualizada? Só porque um componente do índice subiu, não quer dizer que ele foi a causa do aumento do IPCA. A pergunta é: que forças fazem com que o IPCA varie?

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Veja lá a derrocada da estratégia econômica do governo no último mês (aquela pujante subida no final do gráfico). Deve-se torcer para que efeitos sazonais sejam a nosso favor, que ocorram choques positivos e que alguém, lá no governo, estude Economia e entenda que uma tarifa de energia elétrica reduzida aumenta a demanda da mesma. Caso contrário, estamos em trajetória direta para os anos 80.

As políticas governamentais chamadas de “política industrial” por alguns já nos levaram ao governo Geisel. A ineficiência dos resultados está nos levando rapidamente para os anos 80, a era de ouro dos experimentos heterodoxos.

O (e)leitor mais jovem terá a oportunidade antes reservada a turistas ou viajantes do tempo: viver em um país de inflação acelerada. Digo, pode ser que isto não ocorra, pode ser que o Mantega só esteja “nervosinho” e pode ser que as coisas não piorem mais. Entretanto, é difícil não ver no que ocorre uma terrível semelhança com o passado…

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Inflação calculada com dados em tempo (quase) real?

Pois é. Um dia destes um sujeito me falou que iria fazer isto. Segundo ele, seu aplicativo para celulares iria permitir o cálculo de uma inflação diária. Entretanto, sua arrogância e seu desprezo pelos métodos quantitativos (que ele chama, ignorantemente, de “métodos acadêmicos”) não o levaram a nada. Deve ser o aplicativo mais fracassado de todos os tempos.

Mas eu não perco a esperança na humanidade: há gente que faz. Vejam só que sensacioal o resumo deste trabalho:

We construct a Törnqvist daily price index using Japanese point of sale (POS) scanner data spanning from 1988 to 2013. We find the following. First, the POS based inflation rate tends to be about 0.5 percentage points lower than the CPI inflation rate, although the difference between the two varies over time. Second, the difference between the two measures is greatest from 1992 to 1994, when, following the burst of bubble economy in 1991, the POS inflation rate drops rapidly and turns negative in June 1992, while the CPI inflation rate remains positive until summer 1994. Third, the standard deviation of daily POS inflation is 1.1 percent compared to a standard deviation for the monthly change in the CPI of 0.2 percent, indicating that daily POS inflation is much more volatile, mainly due to frequent switching between regular and sale prices. We show that the volatility in daily inflation can be reduced by more than 20 percent by trimming the tails of product level price change distributions. Finally, if we measure price changes from one day to the next and construct a chained Törnqvist index, a strong chain drift arises so that the chained price index falls to 10 of the base value over the 25-year sample period, which is equivalent to an annual deflation rate of 60 percent. We provide evidence suggesting that one source of the chain drift is fluctuations in sales quantity before, during, and after a sale period.

Sensacional mesmo, não é? Enquanto alguns continuam chamando parte do conhecimento humano de uma simples “questão acadêmica”, criando um clima de obscurantismo, outros desprezam este bullshit talk e fazem o trabalho. O pessoal chegado em nacionalismos vai até notar que há um paper de uns brasileiros citados na bibliografia do artigo.

Taí um trabalho que eu gostaria de ter feito. Mas foi feito por dois autores lá do Japão, um deles da famosa Toudai, o professor Watanabe. Como é um trabalho em andamento, fiquei curioso para saber dos próximos passos. Tentarei acompanhar as publicações do pesquisador daqui para frente. Aliás, um outro trabalho, muito interessante, do autor é este, que mostra a diferença de choques monetários e reais na economia japonesa com alguns microfundamentos bem legais.

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Edmar Bacha e Affonso Pastore dão bons motivos para você não reeleger a administração Rousseff

“Nós conseguimos isolar a economia da política, de modo que não tem mais o ciclo político.” Não há mais – este o sentido dessas palavras – influência de interesses eleitorais nas decisões econômicas. (Guido Mantega, 07/05/2013)

 

Eu não poderia começar este texto sem citar o economista preferido de nossa presidente, mentor da contabilidade criativa e da tese de que quaisquer críticas às suas palavras derivam de “nervosismos”, em uma atitude pouco conciliável com aqueles que, como nós, passam os dias fazendo pesquisas sobre a realidade. Costumo dizer que se o sujeito acorda com tanta convicção assim, então não é preciso investigar nada: qualquer vandalismo a meu favor está justificado pela minha certeza divina e, claro, grupos contrários a mim, devem ser investigados pelas autoridades ou banidos.

Mas vamos aos dois textos de hoje. A entrevista do Bacha está aqui e o artigo do Pastore eu cito mais adiante. Claro, aqueles que têm problemas no campo visual (enxergam o mundo entre “tucanos e petistas”, “esquerda boa e direita malvada”, “bem e mal”, como se vivessem em um programa infantil da Xuxa) não conseguirão ir além do próprio umbigo.

Mas leia a entrevista. Edmar Bacha era o herói das oposições na era militar, foi o herói dos aloprados na época do Plano Cruzado e o herói de todos os brasileiros com o Plano Real. Na verdade, é um economista sério, de cuja opinião você pode até discordar (já que médicos, políticos, economistas e demais seres humanos não são deuses, eles erram, logo, naturalmente você discordará deles…pois também é humano), mas não deve ignorar. Não se julga um economista pelo número de seus cargos no governo, mas pelo seu conhecimento e sua capacidade analítica. Portanto, não tem jeito: você tem que ler a entrevista.

O diagnóstico dele sobre o estado atual das coisas me parece perfeito. Realmente, a administração atual se deixa levar por um conjunto de idéias que não fazem sentido em termos de orientação econômica, exceto se você tiver ingerido álcool acima dos limites permitidos pelo governo. Aliás, Pastore, no mesmo caderno de economia do mesmo Estadão, explica isto em detalhes para o ponto específico da inflação.

Eis, por exemplo, a teoria governamental da inflação explicada:

Se o Banco Central fosse independente talvez pudesse ignorar a diretriz de “evitar um controle mais firme da inflação para gerar um pouco mais de crescimento”. Mas, a exemplo de Costa e Silva, que no relato de Roberto Campos afirmou, quando assumiu a Presidência da República, que o guardião da moeda era ele, e não o Banco Central, nos últimos anos essa visão passou a ter um grande impacto nos que trabalham do terceiro andar do Palácio do Planalto. Por algum tempo nos ares de Brasília surgiu uma nova concepção teórica – a teoria do duplo equilíbrio da inflação brasileira. Embora essa seja uma hipótese sem pé nem cabeça na explicação das elevadas taxas de juros no Brasil, o governo passou a acreditar que a mesma inflação poderia ser produzida quer por uma taxa de juros mais elevada – que segundo eles apenas aumentaria o lucro dos bancos -, e por uma taxa de juros mais baixa. Em 2011, o Banco Central encontrou uma desculpa para atender os desejos do governo. Ela veio de um suposto choque na economia internacional que teria uma magnitude de 25% do choque ocorrido na quebra do Lehman Brothers. O choque não ocorreu e a inflação não caiu, ficando em um nível permanentemente mais elevado, mas tido como razoável pelo novo “guardião da moeda”.

Pois é. Você ainda poderia me falar de “estratégia” ou da importância da política fiscal. Ok, então alguém virá me falar do BNDES. Infelizmente, Bacha também nos esclarece quanto aos erros:

E como fica o BNDES?
O BNDES, depois da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas – de complementação do financiamento privado e de especialização em nichos muito críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como infraestrutura e alta tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe de todos os empresários brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se tornou esse Golias – não, Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse gigante balofo que está aí, que, na verdade, em vez de complementar, está substituindo o mercado financeiro, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo. O BNDES virou uma desgraça e tem de voltar aos trilhos.

Precisa dizer mais? Bom, eu poderia dizer que a atual presidente ganhou uma fama nunca justificada por sua atuação na administração da Silva como “gerentona” que mudou o modelo do setor elétrico. Bom, em 2012 ela prometeu queda de tarifa e eu disse que isto não iria funcionar. Não apenas erraram o cálculo (sim, erraram), como também não tiveram a mesma honestidade para ir aos meios de comunicação e explicarem que precisarão usar o BNDES ou o Tesouro, ou ambos para se endividarem para nos vender (caro) esta queda de tarifas.

Antes que fizessem isto, erraram de novo, com o modelo defendido pela presidente em sua época de ministra com fama de “gerentona” e agora o papo é que a conta em 2015 virá mais cara. Só não vem este ano porque o governo que, segundo o ministro Mantega, “acabou com o ciclo político-econômico”, enfrenta eleições este ano.

Honestamente? Qualquer candidato de oposição que fizer um discurso decente, minimamente decente, ganha. Agora, os atuais parecem duas casas de cupins em meio à fazenda: inertes, secas, caladas…assim, até poste se reelege. 

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Lembrete aos navegantes

Acredito que a estabilidade financeira tenha sido fundamental, um século atrás, para estadistas preocupados com o crescimento, assim como é hoje para os líderes que procuram o crescimento e a distribuição de riqueza. Um governo incapaz de controlar seus negócios fiscais e monetários acabará por ser incapaz de atingir a expansão e a igualdade. O preço de políticas irresponsáveis em todos os países e todos os séculos precisa ser pago eventualmente. [Schulz, J. A crise financeira da abolição, Edusp, 2a ed., 2013, p.35]

Ainda existe gente, por aí, que acha que existe uma caricatura chamada economista neoclássico que não conhece a história e, assim, vive em um mundo e abstrações que não lhe permitiria entender a realidade.

Há discussões que valem o meu tempo. Esta, não. Nem preciso citar a desastrada e tortuosa forma de pensar de um ex-presidente que tentou se corrigir acerca de uma declaração que fez, sobre gerar empregos a qualquer custo.

Pois aqui está um economista neoclássico, não-estruturalista, que usa econometria, citando um trecho de um ótimo livro de história econômica. As lições da história estão aí. Entende-se que o mundo nos impõe restrições – como Celso Furtado aprendeu, no lombo, ao tentar fazer suas reformas durante o governo Jango – e que nem sempre conseguimos fazer tudo o que queremos.

Mas o discurso de certos membros da atual administração Rousseff é de espantar. Eles, que sempre nos acusaram – nós, os supostos economistas ortodoxos/neoclássicos (e olha que eu nem me enquadro tanto assim neste rótulo) – de não lermos os livros de História.

Logo eles, que nunca conseguiram terminar um livro-texto básico como o do Mankiw, nunca entenderam o básico de Probabilidade ou o mínimo de Econometria. Ninguém entende de tudo, mas quando o sujeito se vangloria de nunca ter tentado, então você sabe que a discussão está perdida. Feliz o analfabeto que deseja aprender a ler, mas infeliz aquele que se vangloria de nunca ter precisado estudar para ser, sei lá, presidente.

Eu pensaria duas vezes antes de falar bobagens para jornais. Já os falastrões…

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A inflação é o jeito mais fácil de tirar um doce de uma criança

A jornalista modificou um pouco minha frase (usou “brigadeiro” onde eu disse doce), mas, essencialmente, minha breve participação nesta entrevista está correta. Um resumo dos 20 anos do Plano Real pode ser encontrado neste artigo do Gustavo Franco. Os leitores mais novos, que não passaram pelo horror inflacionário ganharão muito se lerem o texto dele.

Quem não passou por isto tende a minimizar os efeitos da inflação e acham graça quando o governo tenta enviar mensagens sutis para a população com um tom, digamos, inflacionista, repetindo uma antiga falácia de que “a inflação é apenas um pequeno preço a pagar pelo crescimento” ou “o neoliberalismo nos impõe uma meta de superávit primário para ajudar a combater a inflação, mas isto vai gerar impostos para vocês” (este último caso deve estar fresco em sua memória, não?).

A inflação não tem nada de engraçado, entretanto. A inflação, como a que vivemos nos anos 80, é algo a se evitar, sempre. Quem nunca viu, precisa ser educado mas, ao contrário de alguns, eu não acho que a melhor forma de educar uma pessoa nos horrores da hiperinflação seja deixando ela experimentá-la (em troca, claro de uma reeleição, ou algo assim).

Voltarei ao assunto da inflação nos próximos dias, para falar dos 20 anos do Real.

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Espero que, no futuro, eu possa esperar mais do que espero hoje!

Pessimismo com o PIB? Ninguém esperava nada muito diferente, né? Trecho:

Após a prévia do PIB ter decepcionado o mercado na sexta-feira, economistas já começam a rever suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. A previsão de crescimento da economia brasileira em 2014 passou de 1,90% para 1,79% na pesquisa Focus do Banco Central. Para 2015, a estimativa recuou de 2,20% para 2,10%. Há quatro semanas, as projeções eram, respectivamente, de 2% e 2,50%.

O IBC-Br já não foi lá aquelas coisas. O passado recente não foi lá aquelas coisas e o futoro que se espera também não…já está repetitivo, eu sei. As expectativas quanto ao futuro em ano eleitoral poderiam ser melhor?

Abre alas que a política quer passar!

Olha, eu diria que poderiam se houvesse um pouco mais de seriedade quanto às regras do jogo. Há um tempo atrás Brender & Drazen [Brender & Drazen (2006)] encontraram evidências de que a política poderia ser melhor com a prática. Como assim? Em resumo, é como se eu te dissesse que eles encontraram sólidas evidências estatísticas de que a prática eleitoral constante faz com que os eleitores aprendam a controlar melhor seus políticos (um resumo grosseiro, mas, ei, você pode ler o artigo).

Por exemplo, pense no caso do desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. No dizer dos autores, isto só ocorre porque estamos há pouco tempo em democracia (somos uma democracia jovem, na definição do trabalho deles). Não quer dizer que não possam surgir governos super-irresponsáveis como o da Grécia, que jamais fez o que deveria ter feito (lembro-me de citar, neste blog, ou em outro lugar, o trabalho do Robert Mundell, sobre uniões monetárias da primeira metade da década dos 90 no qual o autor citava explicitamente o caso da Grécia, Espanha e mais alguém que precisavam fazer o ajuste fiscal…).

Eu gosto do argumento destes autores e, então, sim, no longo prazo, eu sou otimista. Mas, no curto prazo, não. No curto prazo, aliás, talvez você prefira o debate que o Mansueto apresenta aqui.

Formação de expectativas

Existe toda esta literatura que anda na moda sobre a capacidade do sujeito formar expectativa de forma mais ou menos racional. É sempre bom ter a ciência avançando, mas a verdade é que estes modelos ainda estão longe de nos dar resultados mais conclusivos. O caminho entre a ciência e o livro-texto do aluno no primeiro é muito mais longo. Notem como o próprio livro-texto do Mankiw, após algumas edições, ganhou lá um capítulo sobre economia comportamental e outras coisas (quer uma boa introdução? Leia isto).

Mas não precisamos de muito debate para saber quais são as expectativas do mercado. Olhe o que nos diz o relatório Focus do Banco Central. Seja de forma racional, irracional, piparótica, estrambótica ou taciturna, o fato é que agentes formam expectativas e são capazes de nos dizer o que esperam do futuro e, bem, não estão tão otimistas assim.

Eu sei, eu sei, você não aguenta mais ver gráficos aqui e eu já falei de muita coisa aí para cima. Mas veja aqui um pedaço da série da mediana das expectativas (peguei lá na excelente página do Banco Central). Admire o gráfico por 30 segundos.

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Pois é. Você achou bonito, né? Parece que o governo conseguiu estabilizar a inflação, né? Porém, lembre-se: a meta é 4.5% ao ano. O Excel, para otimizar a escala, jogou a meta lá embaixo. Isso mesmo, meu caro. A coisa está feia, muito feia.

Ok, eu sei que tem gente que adora chegar com aquele papo de “a meta não é adequada”, mas isto me cheira (embora eu possa até discutir méritos desta proposta em debate sérios) a picaretagem: perdeu o gol e diz que as traves deveriam ser mais abertas? Ora, ora…

Então é isto. Nada de muita análise estatística hoje. A coisa está feia demais sem precisar de muito esforço, infelizmente.

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A fotografia n(d)a inflação nos anos 80-90

O editorial da Conjuntura Econômica, aquela revista da FGV, lembra-nos de como era a inflação, numa época em que as pessoas achavam que o Banco Central não deveria seguir sistema de metas e que a política fiscal deveria ser uma entidade livre, sem amarras, voltada para o desenvolvimento mesmo que às custas de alguma inflação.

Em 1993, o dinheiro virava pó em questão de horas. Ir ao supermercado exigia uma logística complexa para carregar pacotes de dinheiro que no dia seguinte não valiam quase nada. A inflação, medida pelo IPCA, criado naquele ano, bateu na casa dos 2.477%, apesar dos seis planos implantados nos anos anteriores, por meio de congelamentos, troca de moedas, caça aos bois no pasto na época do ministro Dilson Funaro, fechamento de supermercados que reajustavam preços pelo povo, do traumático confisco nas aplicações financeiras no governo Collor, só para citar as mais relevantes.

Eu acho que é importante não se esquecer que 2.477% deve ser lido como: “dois mil e quatrocentos e setenta e sete por cento”. Isto no ano. Não é difícil voltar a este patamar. Basta não seguir o livro-texto de Economia (ou seguir os livros “alternativos” de Economia). A história mostra que os mais ricos conseguirão se safar de algum jeito, pois a eles será facilitado o crédito bancário, o fundo de investimento camarada, etc. Já o bobo pobre, que mal sabe ler, que acha que tudo cai do céu por mão de Getúlio Vargas terá uma vida mais difícil. Bem mais difícil.

Falei da inflação recentemente aqui, numa perspectiva de mais curto prazo, não é? Vimos uns gráficos bonitos, um papo de econometria aplicada, etc. Mas se pensarmos um pouco na História Econômica, a inflação brasileira, no quadro de mais longo prazo, fica bem mais feia.

É difícil dizer se “vivemos ainda sobre o Plano Real” ou não. Mas é de se comemorar o fato de o mesmo ter sido implantado com sucesso. Não resolveu os problemas do mundo e nem foi a cura do câncer. Mas, como todo tratamento bem-sucedido, deixou o vírus da inflação sobre controle.

Talvez você não tenha muita noção, caso seja um leitor jovem, do tamanho do problema. Bem, vou republicar uma foto que já apareceu neste blog (se não me engano) há algum tempo atrás.

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Eis aí o preço de encomenda de algumas fotos avulsas lá nos idos dos anos 80, já depois do fracassado Plano Cruzado. Imagine, hoje, você levar R$ 5 mil para encomendar uma foto avulsa do seu negativo, digo, pendrive, de 30 x 40 cm. Inacreditável, não? Pois isto aí era a inflação.

Acho que dá para imaginar o porquê de eu achar irritantemente imbecil alguém dizer que a inflação é o preço a ser pago por um pouco de crescimento ou que a população sempre estará disposta a ter um pouco de inflação. Ou, a mais ridícula: a inflação faz parte da cultura brasileira. Aliás, quem diz a última frase nunca pegou em um livro de história econômica ou nunca pesquisou sobre a inflação ao longo dos séculos.

Bom, deixemos o deflator do PIB para outro dia e fiquemos apenas com esta foto. Ela já nos diz muito sobre a vida dos brasileiros há pouco tempo.

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E a inflação, heim?

Pois é. O IBGE nos deu a má notícia. O IPCA contém vários sub-índices (preços), mas o que faz com que os preços subam não é…o próprio preço. Então, fuja de análises erradas que dizem que o IPCA subiu porque o preço do alimento subiu. Digo, o erro está no “porque”. Claro que se 2 + 2 = 4 e se eu digo que agora é 3 + 2, não podemos ter 4. Mas o ‘3’ só apareceu porque eu o coloquei lá.

Então, vamos separar as coisas: não vou falar do que causou o aumento no IPCA, mas sim, tão somente, do próprio. Vejamos como vem evoluindo a variação do IPCA nos anos recentes (Jan/99 – Jan-14).

O monstro está solto?

As variações no IPCA estão no gráfico abaixo (note que, embora o nome do eixo vertical seja “ipca”, o que temos são as variações mensais do IPCA). Os dados está em percentual e, portanto, a má notícia que estamos com 0.55% no último resultado.

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O monstro está solto? Parece que já tivemos melhores dias ali nos idos de 2006, 2007. Mas o problema da inflação não foi resolvido. Lembre-se que o governo deixou o monstro bater nas grades (teto da meta) e, no acumulado, ficamos em quase 6% (ou algo assim) no ano passado.

 

Entendendo o monstro com mais detalhes

Bem, uma forma diferente de observar este mesmo dado é olhar sua propriedade temporal básica: a sua correlação com ele mesmo em diferentes períodos de tempo, portanto, sua autocorrelação. O gráfico abaixo ilustra a autocorrelação acumulada entre variações do IPCA conforme estas variações estão distantes no tempo. Antes de dar os números, veja, se tenho 15 no eixo horizontal, então estou dizendo que existe uma distância de 15 meses. Aí olho para a barra vertical, que ilustra o valor da autocorrelação da variação do IPCA com ele mesmo 15 meses distante. Sacou? Vamos lá.

Por exemplo, no gráfico, com um mês de diferença, há uma fortíssima influência do passado sobre o presente (cerca de 60%). Quando olhamos a influência conjunta de dois meses, a influência cai para algo um pouco abaixo de 40%. E assim por diante. Natural, não? Você esperaria, digamos, que a inflação deste mês fosse fortemente influenciada pela do mês passado, não? Claro. Mas também é verdade que a inflação de dois meses atrás deve influenciar a deste mês, mas menos. Na soma, por assim dizer, a influência dos dois meses passados só é forte porque a do mês imediatamente anterior é muito forte. 

Pensando assim, você percebe que, no gráfico abaixo, a inflação tem aí um movimento quadrimensal forte (as linhas azuis são os intervalos de confiança…logo, barras que estejam entre as linhas nos dizem que os efeitos são estatisticamente iguais a zero) e, note lá na frente, o 12o mês também é importante. Isto significa que existe algum efeito de doze em doze meses, cíclico (sazonal) na inflação. 

Razoável, não? Geralmente, espera-se que, em qualquer ano, a inflação de um mês seja fortemente influenciada pela do mês anterior e, claro, muito menos pela de 333 meses atrás. Isto nos ajuda a entender porque este gráfico aí é razoável, mesmo que eu não entre em detalhes técnicos.

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Agora, no próximo gráfico, em contraste ao primeiro, temos o efeito isolado da distância entre meses, a chamada autocorrelação parcial.

Então, a forte influência do mês passado está aí, firme e forte. Mas a influência isolada da inflação de dois meses anteriores sobre o mês seguinte é praticamente zero (as linhas pontilhadas azuis são os intervalos de confiança, lembra?). Isto é exatamente o que tínhamos no gráfico anterior. Por que? Porque lá, acumulávamos o efeito das duas primeiras distâncias. Então, mesmo com o segundo efeito sendo praticamente zero, a força, por assim dizer, descomunal, da primeira, na soma, prevalecia.

Repare que este gráfico nos mostra um possível segundo ciclo, lá na distância (defasagem) de número oito. Vale dizer, pode ser que exista um ciclo na inflação de oito meses. Ou talvez seja uma questão trimestral, já que, em doze (na verdade, treze) existe outro indício de influência defasada forte. Algo para se pensar, eu sei.

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Para identificar isto melhor, é necessário explicitar os processos de autocorrelação teóricos que podem gerar gráficos simulados de comportamento similar ao do IPCA. Ou você pode tentar estimar um modelo autoregressivo (na verdade, vários).  Mas vamos em frente.

O monstro do eterno retorno ou “porque minha mulher odeia os finais de ano na feira”

No gráfico seguinte, percebemos a existência de sazonalidade. Repare que cada ponto no eixo horizontal é um mês. Sobre o mesmo, as observações deste mesmo mês ao longo da amostra e a barra horizontal é a média. 

Bem, se não houvesse efeito sazonal, eu esperaria que a média de Janeiro fosse igual à de Fevereiro que fosse igual….etc. Mas as médias são diferentes. Ok, eu não fiz um teste de médias, mas é fácil fazer isto e eu garanto para você (tenho bons motivos, acredite) que exite efeito sazonal. Ah sim, donas-de-casa geralmente odeiam o final e o começo do ano. Ou deveriam. Veja só as médias (e repare em Julho).

 

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Pensando bem, dá quase para ver um sorriso diabólico juntando estas barrinhas…

O monstro antecipado

Muito bem. Um modelo estimado me diz que a previsão para Fev/2014 é de que a inflação fique em 0.51%, mas o intervalo de confiança ainda não é o que eu gostaria de obter. O ajuste do modelo (um modelo ARIMA, destes que ensino em Econometria) pode ser ilustrado facilmente. Eis o gráfico.

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Nada mau, eu sei. Mas ocorre que este tipo de modelo é bem a-teórico, no sentido de que você pode se sair bem apenas com a Estatística para fazer a previsão. Mesmo que não continuemos nesta linha de argumentação, existem os modelos da família GARCH, os ARFIMA, os modelos de alisamento exponencial, etc. Ou seja, mesmo que ignoremos o problema da pouca teoria econômica na estimação de modelos como este, ainda assim existe uma variedade imensa de modelos que podem ser usados para prever o IPCA.

Quanto à teoria, claro, eu imagino que, como eu, você também ache que a inflação é um fenômeno monetário (ok, eu também gosto de ciclos reais e também entendo o problema da política fiscal corroendo a saúde da moeda). Então, em um outro contexto, eu gostaria de ver uma previsão do IPCA que levasse em conta esta relação sistêmica entre as variáveis. Bom, esta fica para depois mas eu te garanto que você que quem conhece Economia tem bons motivos para ficar pensando nisto pelo resto do Sábado.

Previsão do IPCA

Os alunos do Nepom, mais recentemente, têm se dedicado a tentar prever o comportamento do IPCA. Infelizmente, dada nossa rotatividade de membros encarregados da Econometria, este é um conhecimento que se desenvolve pouco. Um ou outro busca avançar mais o modelo ou testar especificações alternativas. Falta um pouco mais de análise, creio, paciência, enfim, investimento, no bom e velho tempo de reflexão sobre os dados. Eu recomendo chá verde com doce de feijão ao lado de uma janela aberta com uma bela paisagem (serve a bandeira do time na janela do vizinho fanático, em casos menos felizes…). Os familiares reclamam, eu sei, querem que você participe do almoço e tal. Mas estes momentos de paz e reflexão nos ajudam a pensar e modelar não apenas o IPCA, mas outras séries econômicas.

Ou talvez seja só um chá verde o suficiente para despertar seu lado econometrista. Vai saber.