Pois é. O IBGE nos deu a má notícia. O IPCA contém vários sub-índices (preços), mas o que faz com que os preços subam não é…o próprio preço. Então, fuja de análises erradas que dizem que o IPCA subiu porque o preço do alimento subiu. Digo, o erro está no “porque”. Claro que se 2 + 2 = 4 e se eu digo que agora é 3 + 2, não podemos ter 4. Mas o ‘3’ só apareceu porque eu o coloquei lá.
Então, vamos separar as coisas: não vou falar do que causou o aumento no IPCA, mas sim, tão somente, do próprio. Vejamos como vem evoluindo a variação do IPCA nos anos recentes (Jan/99 – Jan-14).
O monstro está solto?
As variações no IPCA estão no gráfico abaixo (note que, embora o nome do eixo vertical seja “ipca”, o que temos são as variações mensais do IPCA). Os dados está em percentual e, portanto, a má notícia que estamos com 0.55% no último resultado.
O monstro está solto? Parece que já tivemos melhores dias ali nos idos de 2006, 2007. Mas o problema da inflação não foi resolvido. Lembre-se que o governo deixou o monstro bater nas grades (teto da meta) e, no acumulado, ficamos em quase 6% (ou algo assim) no ano passado.
Entendendo o monstro com mais detalhes
Bem, uma forma diferente de observar este mesmo dado é olhar sua propriedade temporal básica: a sua correlação com ele mesmo em diferentes períodos de tempo, portanto, sua autocorrelação. O gráfico abaixo ilustra a autocorrelação acumulada entre variações do IPCA conforme estas variações estão distantes no tempo. Antes de dar os números, veja, se tenho 15 no eixo horizontal, então estou dizendo que existe uma distância de 15 meses. Aí olho para a barra vertical, que ilustra o valor da autocorrelação da variação do IPCA com ele mesmo 15 meses distante. Sacou? Vamos lá.
Por exemplo, no gráfico, com um mês de diferença, há uma fortíssima influência do passado sobre o presente (cerca de 60%). Quando olhamos a influência conjunta de dois meses, a influência cai para algo um pouco abaixo de 40%. E assim por diante. Natural, não? Você esperaria, digamos, que a inflação deste mês fosse fortemente influenciada pela do mês passado, não? Claro. Mas também é verdade que a inflação de dois meses atrás deve influenciar a deste mês, mas menos. Na soma, por assim dizer, a influência dos dois meses passados só é forte porque a do mês imediatamente anterior é muito forte.
Pensando assim, você percebe que, no gráfico abaixo, a inflação tem aí um movimento quadrimensal forte (as linhas azuis são os intervalos de confiança…logo, barras que estejam entre as linhas nos dizem que os efeitos são estatisticamente iguais a zero) e, note lá na frente, o 12o mês também é importante. Isto significa que existe algum efeito de doze em doze meses, cíclico (sazonal) na inflação.
Razoável, não? Geralmente, espera-se que, em qualquer ano, a inflação de um mês seja fortemente influenciada pela do mês anterior e, claro, muito menos pela de 333 meses atrás. Isto nos ajuda a entender porque este gráfico aí é razoável, mesmo que eu não entre em detalhes técnicos.
Agora, no próximo gráfico, em contraste ao primeiro, temos o efeito isolado da distância entre meses, a chamada autocorrelação parcial.
Então, a forte influência do mês passado está aí, firme e forte. Mas a influência isolada da inflação de dois meses anteriores sobre o mês seguinte é praticamente zero (as linhas pontilhadas azuis são os intervalos de confiança, lembra?). Isto é exatamente o que tínhamos no gráfico anterior. Por que? Porque lá, acumulávamos o efeito das duas primeiras distâncias. Então, mesmo com o segundo efeito sendo praticamente zero, a força, por assim dizer, descomunal, da primeira, na soma, prevalecia.
Repare que este gráfico nos mostra um possível segundo ciclo, lá na distância (defasagem) de número oito. Vale dizer, pode ser que exista um ciclo na inflação de oito meses. Ou talvez seja uma questão trimestral, já que, em doze (na verdade, treze) existe outro indício de influência defasada forte. Algo para se pensar, eu sei.
Para identificar isto melhor, é necessário explicitar os processos de autocorrelação teóricos que podem gerar gráficos simulados de comportamento similar ao do IPCA. Ou você pode tentar estimar um modelo autoregressivo (na verdade, vários). Mas vamos em frente.
O monstro do eterno retorno ou “porque minha mulher odeia os finais de ano na feira”
No gráfico seguinte, percebemos a existência de sazonalidade. Repare que cada ponto no eixo horizontal é um mês. Sobre o mesmo, as observações deste mesmo mês ao longo da amostra e a barra horizontal é a média.
Bem, se não houvesse efeito sazonal, eu esperaria que a média de Janeiro fosse igual à de Fevereiro que fosse igual….etc. Mas as médias são diferentes. Ok, eu não fiz um teste de médias, mas é fácil fazer isto e eu garanto para você (tenho bons motivos, acredite) que exite efeito sazonal. Ah sim, donas-de-casa geralmente odeiam o final e o começo do ano. Ou deveriam. Veja só as médias (e repare em Julho).
Pensando bem, dá quase para ver um sorriso diabólico juntando estas barrinhas…
O monstro antecipado
Muito bem. Um modelo estimado me diz que a previsão para Fev/2014 é de que a inflação fique em 0.51%, mas o intervalo de confiança ainda não é o que eu gostaria de obter. O ajuste do modelo (um modelo ARIMA, destes que ensino em Econometria) pode ser ilustrado facilmente. Eis o gráfico.
Nada mau, eu sei. Mas ocorre que este tipo de modelo é bem a-teórico, no sentido de que você pode se sair bem apenas com a Estatística para fazer a previsão. Mesmo que não continuemos nesta linha de argumentação, existem os modelos da família GARCH, os ARFIMA, os modelos de alisamento exponencial, etc. Ou seja, mesmo que ignoremos o problema da pouca teoria econômica na estimação de modelos como este, ainda assim existe uma variedade imensa de modelos que podem ser usados para prever o IPCA.
Quanto à teoria, claro, eu imagino que, como eu, você também ache que a inflação é um fenômeno monetário (ok, eu também gosto de ciclos reais e também entendo o problema da política fiscal corroendo a saúde da moeda). Então, em um outro contexto, eu gostaria de ver uma previsão do IPCA que levasse em conta esta relação sistêmica entre as variáveis. Bom, esta fica para depois mas eu te garanto que você que quem conhece Economia tem bons motivos para ficar pensando nisto pelo resto do Sábado.
Previsão do IPCA
Os alunos do Nepom, mais recentemente, têm se dedicado a tentar prever o comportamento do IPCA. Infelizmente, dada nossa rotatividade de membros encarregados da Econometria, este é um conhecimento que se desenvolve pouco. Um ou outro busca avançar mais o modelo ou testar especificações alternativas. Falta um pouco mais de análise, creio, paciência, enfim, investimento, no bom e velho tempo de reflexão sobre os dados. Eu recomendo chá verde com doce de feijão ao lado de uma janela aberta com uma bela paisagem (serve a bandeira do time na janela do vizinho fanático, em casos menos felizes…). Os familiares reclamam, eu sei, querem que você participe do almoço e tal. Mas estes momentos de paz e reflexão nos ajudam a pensar e modelar não apenas o IPCA, mas outras séries econômicas.
Ou talvez seja só um chá verde o suficiente para despertar seu lado econometrista. Vai saber.